(se você for otaku, não leia este texto!)
“Como determinar a poesia de um país? Pela nacionalidade dos poetas, pelas fronteiras de um território, pela língua materna ou pela evocação temática da nação em poemas através de gerações? De um ponto de vista contemporâneo, falar de literatura nacional é contraditório e ao mesmo tempo necessário. Contraditório porque a própria literatura abriu mão de desempenhar o papel da nacionalidade, passando a orientar-se por perspectivas internacionais ou universais até mesmo quando se aprofunda na intimidade do eu nas características do cotidiano e local.”
– Karl-Erik Schøllhammer, Breve apresentação do modernismo na poesia sueca.
Cá estava eu, hoje de manhã, pensando com minhas garras, antes de ir pra UF sobre Quadrinhos e Identidade Nacional Cultural.
A umas semanas atrás, eu li n’um blog (neste aqui ó) sobre como os mangás, produto tipicamente nipônico, tomaram a dianteira no segundo país que mais lê/consome quadrinhos no mundo, os Estados Unidos (nesta postagem bem aqui). Motivo: os leitores não terem mais saco para sagas e histórias que zeram e renovam universos e, para serem compreendidas, ter o conhecimento de um verdadeiro mosaico de personagens que morrem/ressuscitam, além de outras sagas e histórias anteriores, devido ao caralhal de referências. Eu só não fiquei mais puto com isso porque sei que isso é fato. Chega dá no saco ver mais uma “Crise” ou uma “Saga” na DC, ou uma “Guerra” ou “Conflito” na Marvel, e, pra saber como chegou lá, ter que ler uma milharal de histórias, a maioria escrita com aquela (má-)vontade.....
Onde quero chegar afinal? Mesmo com as Guerras e Conflitos e Crises e Sagas, os quadrinhos estadunidenses (sobre os nacionais falarei mais à frente) ainda estão longe de perder a força, ainda mais devido aos independentes, que não deixaram de ser atingidos pelos mangás.
Se eu também leio mangá? Claro. Aí, agora, algum esperto vai chegar e dizer: “sim, qual é o teu problema então?” O caso é: mesmo com obras como Adolf e Buda, acredito eu que os mangás ainda não chegaram a ter aquela projeção das HQs, mesmo porque, vamos lá, é mais fácil uma guria se identificar com Estranhos no Paraíso do que algo como Chobits (contando todas as figuras de linguagem e duplo-sentidos e referências presentes nestas obras). Que fique logo dito: não estou desmerecendo nenhuma escola, só estou apresentando minha opinião e às conclusões às quais cheguei.
Quanto a Adolf e Buda, é mais fácil aos japoneses se identificarem com a segunda do que com a primeira, considerando o fato de que o budismo é intrínseco de sua cultura, ao contrário da figura hitlerista, mesmo o país tendo participado da II Guerra (e, por isso, tendo levado duas petecas atômicas na cabeça – ver as conseqüências em Gen – Pés Descalços). Por isso, é “mais fácil” para nós, ocidentais, “aceitarmos” Adolf do que eles aceitarem Maus, porque temos raízes e influências judaicas e germânicas do que os japoneses provavelmente nunca terão.
A chegada dos mangás afeta a produção cultural do mesmo modo que a entrada do rock’n’roll na década de 1950 no Brasil. A priori, não temos uma influência nítida a não ser que aproximemos mais a atenção. Mas, daqui a alguns anos, o que poderá sair daí?
Não devemos deixar de atentar que o Brasil é o caldeirão étnico-cultural mais borbulhante e fervente de todo o continente americano. Enquanto o Japão preserva sua cultura com presas e garras, e os EUA defendem a dele com seu poderio econômico-militar, nosso país recebe todas de braços (e pernas) abertos, pronto a misturar todos, fazendo ter a nossa cara. Com os quadrinhos e com a música, acreditem, não será diferente. Não à toa que gente como Ziraldo e Angeli, Angra e Arraial do Pavulagem são referências eternas em suas áreas no exterior e além-mar.
Yeah, nós temos cultura da boa. Mas os processos de formação da mesma são o que me deixam assustado e tremendamente... neurado. Assimilação de identidade, perda de identidade, formação de identidade. Processos que duram anos e demandam anos de estudo, quando são lembrados antes de serem extintos e/ou perderem seu significado como objeto relevante de estudo.
Fora que, devido às dimensões continentais de “nossa” pátria, ainda temos sistemas culturais completamente, por que não dizer?, isolados de dentro para fora e os de fora para dentro – que podemos tomar como principais exemplos, os de origem estrangeira e os de origem indígena e quilombola, cujos praticantes e viventes não desejam mistura alguma, para manter sua “pureza” intacta, alguns muitos recusando-se a aprender o português brasileiro e qualquer contato com culturas desiguais às suas, para não “contaminarem-se”. Não duvidem, mesmo tendo essas dimensões territoriais, o Brasil não é o único com estas “peculiaridades culturais”.
Se isso tem alguma relação com os quadrinhos e mangás abordados neste “ensaio” (não com as obras citadas, com os quadrinhos e mangás em si)? O caso é: olhe ao seu redor. Ao universo em uma casca de noz que te cerca. O que você vê, fala, ouve, sente, respira, come e lê influencia DIRETAMENTE sua visão de mundo e, consequentemente, sua forma de pensar, ouvir, ler, sentir e escrever. Quadrinistas e mangakas não são pessoas tão diferentes de você e eu, uma vez que também falam, ouvem, pensam, sentem, respiram, comem, escrevem e sonham – e isso influencia direta ou indiretamente sua produção cultural, quer chegue às nossas mãos ou não. E a cultura ao redor deles influenciará o que produzirão e, caso estes produtos, chegue a nossas mãos, acontecerá o mesmo a que a eles. Um ciclo.
Mas... De nada adianta termos culturas ricas como temos (não venha ninguém me dizer que os EUA são pobres de cultura; certamente quem o faze-lo, só conhece música e cinema e literatura estadunidense atual), se nossos jovens não procuram o melhor destas. Voltando a bater na tecla do ciclo de influência, esporte influencia cinema (Carruagens de Fogo, 1981) que influencia música (Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? → Blade Runner → Os Replicantes) que influencia quadrinhos (a versão quadrinizada de Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, escrita por Warren Ellis) que influencia escultura (ponto pra quem disse Alicia Masters) e tudo isso se influencia em uma verdadeira Ouroboros ensandecida. Intertextualidade. O que os roteiristas menos lêem são quadrinhos, o que os desenhistas menos consomem são quadrinhos, uma vez que eles já têm não somente todas as belas artes como ponto de partida para tudo, mas se valem do princípio que as belas artes têm como o mundo como influência e ponto de partida (não fui eu quem disse isso, foi o Anatol Rosenfeld). E isso abre espaço para uma identificação do artista com obras que não as criadas por seu conterrâneos nem com seus contemporâneos, uma vez que sua ânsia, seu desejo, seu desespero, sua paixão, etc. podem muito bem ser traduzidos por conterrâneos que não os seus. Vide a identificação que inúmeros jovens mundo afora têm ainda hoje com Cobain e suas letras, Vinicius e seus poemas, Vivaldi e suas sinfonias, Joyce e sua prosa.
Estes dias que se foram, eu estava conversando com duas Irmãs-de-Armas sobre estes temas e chegamos a algumas das conclusões acima descritas, mas uma das principais e que infere neste texto é: os jovens atualmente não estão lendo menos e tendo menos acesso às informações (ao contrário, somos violentamente bombardeados de informações, tendo até dificuldade de peneirar as mesmas), mas têm uma dificuldade de ligar/juntar informações prévias para “montar” informações e fazer um julgamento prévio sensato (desconsidere o fato de eu passar longe de ser algo sensato) da informação que está consumindo. O pai de uma delas, que é professor até, disse que o jovem está acostumado a receber tudo mastigado, pronto para ser somente assimilado, não-dissecado e compreendido, justamente o que o mercado de trabalho e o ensino superior exigem atualmente. Este “querer do algo já mastigado” afeta as percepções do mundo ao redor, uma vez que a falta de conhecimento prévio e da ligação de informações, que torna, por exemplo, a piada contada na esquina, mais fácil de ser compreendida.
Este texto contém muitas reviravoltas e contradições, além de pequenas introduções a assuntos espinhosos dentro do âmbito cultural. Mas acredito que tem muita coisa pertinente aqui. Afinal, não são temas “rasos”.
Vou imprimir uma cópia e revisar até sair uma coisa realmente decente.
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