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e ai que tenho três livros de autoria publicada que fiz praticamente tudo neles e vou fixar esse post aqui com os três pra download e todos...

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

PRÁXIS AMANDI – poema de Olga Sawary

ouvindo: Bomb Factory, Blade of a Knife, de 1996.

PRÁXIS AMANDI
Olga Sawary

Na práxis de então
bem pouco se aprendia
com as vagas teorias
da chula sacanagem.
Quase sempre havia alguém
que não gozava
e se perdia
no meio da viagem

Hoje se sabe,
de Kama Sutra a Sade
passando de Ovidio à Barabarela
por dentro de Vinicius de Morais,
que amar é arte requintada
e há de
melhor acontecer a quem mais sabe.
 
Começa-se a bolina pelos olhos,
ou pela planta dos pés
que tanto faz
mas que se o faça como quem não quer
chegar além do simples arrepio.

Que se tateie muito de leve e manso
por cada canto da pele o corpo inteiro
e sempre no sentido
inverso ao da penugem.

Bem lentamente caía nos declives
e nos valados mais fundos e escondidos.
Teça, com os dedos leves, pelo a pelo,
roçando o eriçando cada uma
das papilas digitais —as mais sensíveis—
desde os agudos picos aos mais túmidos
e úmidos abismos,
como se cada polpa de dedo fosse língua.

Não se abandone então.
Não perca o tino,
que o pássaro do espasmo é fugidio,
e cansa de voar
nas brumas da emoção
do ser em cio.

Daí por diante
passe a refletir
frente dos espelhos,
e crie — a dois ou a dez —
todas as formas de ir
e posições
passíveis das possíveis
contorções.

Prossiga nos caminhos da surpresa
e não se escandalize
se a resposta vir maior que a empresa.
Pois que, por suas mãos
os deuses são,
e não se sabe onde
explodindo seus próximos desejos.

E tendo tudo isto posto,
tome todo tento à tentação
de sua companheira.

E, se tiver força e sã ciência,
refreie os seus ginetes,
sorva a seiva que lhe molha os lábios,
inspire fundo,
até que a égua úmida, esgotada,
estanque o seu galope,
e se abandone, como quem se esquece
da própria servidão
da vida e morte,
na relva dos lençóis.
E então comece.


IN: SAWARY, Olga. Carne viva. 1ª antologia brasileira de poemas eróticos. Rio de Janeiro: Editora Anima, 1984.









BIS 
ZU 
DEM 
BREAKING 
FUCKING 
NEUEN 
POST
!!!

terça-feira, 24 de novembro de 2020

O DIA, DE TODO DIA, NOSSO DE CADA DIA – letra de punk rock

o dia, de todo dia, nosso de todo dia

engarrafamento nosso de todo dia 
corrupção nossa de todo dia 
o sistema que não funciona pra todo mundo nosso de cada dia
as ruas e canais alagados a cada chuva nossos de cada dia
gente morrendo em hospital nossa de todo dia 
gente que tem pouco assaltada por gente que não tem nada nossa de todo dia 
gente que não tem o que comer nossa de todo dia
gente que não tem água na torneira de todo dia 
o telejornal que informa a parte (in)conveniente da notícia nosso de cada dia 
as crianças que brincam na rua que nunca verá asfalto em sua pele nossas de cada dia
a mãe de família que não acordará no dia seguinte pois foi morta pelo companheiro nossa de cada dia 
o alienado pelo trabalho que trabalha como um condenado que, por isso, sofre calado nosso de cada dia 
o imigrante que sente falta da sua terra mater e é diariamente humilhado pra onde imigrou nosso de cada dia 
a professora que é a última a dormir que dorme com remédios e é a primeira a acordar nossa de cada dia 
o peão que mora do outro lado da cidade pegando duas conduções pra chegar ao trecho no horário e não ser demitido e tem uma fila de gente esperando pra tomar seu trabalho nosso de cada dia 
a profissional plenamente capacitada preterida por um parente de alguém do alto escalão da empresa nossa de cada dia 
o entregador entregando a péssimas condições de trabalho que deseja sempre ter entrega no dia o dia todo nosso de cada dia 
a vendedora que deseja sempre ter venda o dia todo nossa de cada dia 
o dono da mercearia que pensa que é capitalista e espera não ter nada roubado de sua vendinha nosso de cada dia 
a desempregada que não quer levantar da cama pra procurar emprego porque não tem emprego pra achar nossa de cada dia 
o poeta que escreve sem parar para não se matar mesmo sabendo que ninguém vai ler nosso de cada dia 
a violonista que compõe uma peça no escuro do quarto iluminado por uma lâmpada numa tomada nossa de cada dia 
quem tem que escolher entre ir andando pro trabalho ou almoçar nosso de cada dia
quem, na universidade, tem que escolher entre almoçar ou tirar xerox nosso de cada dia
quem tem bolsa na particular que tem que trabalhar e estudar pra não perder a bolsa nosso de cada dia 
quem espera pra ser chamado em concurso que passou mas a chamada ‘tá pra expirar e o governo insiste em contratar temporários nosso de cada dia 
quem tem depressão e dias improdutivos que amaldiçoa a cada dia que continua em vida nosso de cada dia 
e “o pão nosso de cada dia”
o pão de cada dia 
e quem tem pão todo dia mas não agradece pelo pão?
e quem tem pão todo dia?
e quem tem pão dia sim, dia não?
e as ofensas que entram por um ouvido e saem pelo outro e aquelas que não dá pra relevar mas não dá pra revidar nossas de cada dia?
os derrotados nossos de todo dia cada vez mais derrotados a cada vez que o dia nasce
os fracassados nossos de todo dia cada vez mais fracassados a cada vez que o dia nasce
os frustrados nossos de todo dia cada vez mais frustrados a cada vez que o dia nasce
o dia
o dia, o dia que nasce
todo dia
todo dia, todo dia que nasce
o dia
o dia, o dia que nasce e morre e nasce outra vez
todo dia
todo dia, todo dia que nasce e morre e nasce outra vez


:: 24 de novembro de 2020 ::

domingo, 22 de novembro de 2020

AI, ALI, RUA DO PÉ DE PEQUI - poema

ai, ali, rua do pé de pequi
pé de pequi no meio da rua
pequi, pequiá, do pé que nasce o sol e a lua
tem tecnologia que permite mas nem sempre dá
pra realocar a árvore de seu lugar original
mesmo assim, me diga: quem deu à espécie humana o direito de decidir tudo na natureza?
por que a árvore deveria mudar se são os sapiens que se “incomodam” com sua beleza?
basta partir a rua em duas 
depois junta de novo
situando anteriormente um marcador de obstáculo
pra indicar canteiro estreito separador de pistas.
olha ali, eis ali.
a rua do pé de pequi..
piquiá perder de vista...
sob esta copa, quantos primeiros beijos de meninas?
meninas de olhos de pequi
meninas de olhos de asfalto
meninas de olhos de céu antes de chover
meninas de olhos de pequi-ao-seu-florescer
não passa caminhão, mas passa carro
de motor, de homem, de burro, de boi
talvez não passe buzão, mas passa moto
passa bicicleta, quando ver, já foi

“onde fica?”
“fica na rua do pé de pequi.”
“onde fica?”
“passand’a rua do pé de pequi.”
“onde fica?”
“direto na rua do pé de pequi.”
“onde fica?”
“dobrando a rua do pé de pequi, à direita.”
“onde fica?”
“dobrando a rua do pé de pequi, à esquerda.”
“onde fica?”
“antes d’ o pé de pequi.”

e o poema chega ao fim


:: 21 de novembro de 2020, a partir do artigo Prefeitura faz asfalto em bairro de Araguaína e preserva pé de pequi no meio de rua, do portal de notícias G1 Tocantins em 21 de novembro de 2020 ::

terça-feira, 10 de novembro de 2020

BALA – letra de punk rock

BALA
Não tem luz
Mas tem bala

Não tem água
Mas tem bala

Não tem comida
Mas tem bala

Não tem esperança
Mas tem bala

Não tem perspectiva de melhora
Mas tem bala

Quando vai ter luz
E não ter bala?

Quando vai ter água
E não ter bala?

Quando vai ter comida
E não ter bala?

Quando vai ter esperança
E não ter bala?

Quando vai ter perspectiva de melhora
E não ter bala?

luz
água
comida
esperança
perspectiva
E não bala

:: 05 de novembro de 2020 ::

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

“[...] não se deve deixar que a dicotomia entre ‘mulher de família’ e ‘mulher prostituta’ esconda que as duas versões ou posições advêm de um mesmo núcleo de sentido fundante: o feminino é todo ele pensado como objeto e como interdito. O feminino posto unilateralmente pelo imaginário dominante como único objeto da sexualidade passa a ser o objeto por excelência da interdição. Assim,  toda a sexualidade  feminina é concebida pelo imaginário dominante como aquela que se esquiva para se oferecer. Assim, ao mesmo tempo que se diz que a mulher é o objeto passivo da sexualidade, sempre se supõe uma iniciativa indireta e o signo da interdição. Não há, assim, qualquer possibilidade de substancialização das categorias de ‘mulher de família’  e ‘mulher prostituta’. Elas podem sempre se transmutar uma em outra, porque é a referência ao ‘ego’ masculino que as constitui. O feminino visto da posição exterior, tanto para os olhares masculinos como femininos, enquanto se está falando das outras mulheres, o feminino é transitivo, ou melhor, transicional. Apresenta-se como a construção de uma sexualidade de gênero que se funda no transitar entre a posição de seduzir e a posição de esquiva, entre a posição de feminino sagrado e de feminino impuro. A ambivalência e a transicionalidade entre estes dois lugares é o que constitui o imaginário da sexualidade feminina.” 
– MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. cadernos pagu (11) 1998: pp.231-273.