“Do ponto de vista dos críticos, uma consequência decorrente do caráter situado do conceito de religião é que ele, em vez de promover abordagens transculturais simétricas, acaba efetuando, justamente, o contrário: enquanto legatário da compreensão de mundo ocidental moderna, esse conceito normativo se configuraria, precisamente, como um entrave, reverberando ainda as intenções colonialistas do Ocidente. Nesse sentido, Timothy Fitzgerald afirma:
‘A construção de ‘religião’ e de ‘religiões’ como objetos de estudo global, transcultural, é parte de um processo histórico mais amplo do imperialismo, colonialismo e neocolonialismo ocidentais. Parte desse processo foi estabelecer uma distinção ideologicamente carregada entre o reino da religião e o reino da não-religião ou secular (FITZGERALD, 2000, p.08).
Em outros termos, uma vez que essa coisa chamada religião não existe objetivamente, o conceito fornece uma imagem distorcida da realidade. Por isso mesmo, ele não apenas deve ser colocado sob suspeita, mas abandonado. Com peculiaridades próprias de suas análises, W. Arnal e R. McCutcheon sugerem algo parecido. Em vez de se investigar isso que se alcunhou de religião, e que se encontra espalhado nas diversas comunidades humanas, os autores insistem que se inquira o que levou, nos últimos séculos, a se denominar parte da vida cultural humana com o conceito de religião. Nesse sentido, por meio da historicização da noção, os autores apontam que essa taxinomia é historicamente e geograficamente arbitrária, servindo a interesses ligados à emergência do estado liberal moderno. O conceito não poderia ser tomado de maneira naturalizada, como se fosse capaz de se referir a um fato de caráter universal – e mais, os estudiosos não deveriam mais empregá-lo. Se o conceito de religião é suspeito, imagine então como fica a pertinência de uma disciplina (ou área) que pretende se dedicar ao estudo desse objeto. Se não há algo como religião, também não faz sentido se defender a existência de um campo do saber que se dedica ao estudo desse objeto imaginário. Em termos mais claros, se não há religião, não faz sentido existir cursos de Ciência da Religião.”
– Frederico Pieper Pires, “Religião: limites e horizontes de um conceito”. In: Estudos de Religião, v.33, p.05-35, 2019.
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