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terça-feira, 25 de junho de 2019

BELCHIOR - ALUCINAÇÃO - 1976

BELCHIOR
ALUCINAÇÃO
1976
APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO
Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco,
sem parentes importantes e vindo do interior.
Mas trago de cabeça uma canção do rádio
em que um antigo compositor baiano me dizia
“– Tudo é divino, tudo é maravilhoso!”

Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas
caminhado meu caminho, papo, som, dentro da noite
e não tenho um amigo sequer que ‘inda acredite nisso, não,
(Tudo muda!) E com toda razão!
Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco,
sem parentes importantes e vindo do interior.
Mas sei que tudo é proibido.
(Aliás, eu queria dizer que tudo é permitido
Até beijar você no escuro do cinema quando ninguém nos vê!)

Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve,
correta, branca, suave, muito limpa, muito leve.
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo.
Isto é somente uma canção
A vida realmente é diferente, Quer dizer,
ao vivo é muito pior.

Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco.
Por favor, não saque a arma no saloon, Eu sou apenas o cantor.
Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar
mate-me logo, à tarde, às três,
que à noite eu tenho um compromisso e não posso faltar
por causa de vocês.

Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco,
sem parentes importantes e vindo do interior.
Mas sei que nada é divino. Nada.
Nada é maravilhoso. Nada.
Nada é secreto. Nada.
Nada é misterioso, não!

VELHA ROUPA COLORIDA
Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
que uma nova mudança em breve vai acontecer,
E o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo,
E precisamos todos rejuvenescer.

Nunca mais meu pai falou: “She’s leaving home
e meteu o pé na estrada, like a rolling stone!”
Nunca mais eu convidei minha menina
para correr no meu carro... loucura, chiclete e som
Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido
o dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, que é do cartaz?
No presente, a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais.

Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
que uma nova mudança em breve vai acontecer,
E o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo,
E precisamos todos rejuvenescer.

Como Poe, poeta louco americano,
eu pergunto ao passarinho:
– Blackbird, assum preto, o que se faz?
E raven, never, raven, never, raven, never, raven, never, raven
assum preto, passo preto, blackbird, me responde: 
– Tudo já ficou atrás!
Raven, never, raven, never, raven, never, raven, never, raven
blackbird, assum preto, passo preto, me responde:
– O passado nunca mais!

COMO NOSSOS PAIS
Não quero lhe falar, meu grande amor,
das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
e tudo o que aconteceu comigo.
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida
de qualquer pessoa.
Por isso cuidado, meu bem! Há perigo na esquina.
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens.
Para abraçar meu irmão e beijar minha menina na rua
é que se fez o meu lábio o meu braço e a minha voz.

Você me pergunta, pela minha paixão
digo que estou encantado como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
e eu sinto tudo na ferida viva do meu coração.
Já faz tempo e eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória esta lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, o que fizemos
ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos
como os nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências, as aparências não enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que eu estou por fora ou que eu estou inventando
mas é você que ama o passado e que não vê
mas é você que ama o passado e que não vê que o novo, o novo sempre vem
E hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude
está em casa, guardado por Deus, contando o seus metais.
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, o que fizemos
ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais

SUJEITO DE SORTE
Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte
E tenho comigo pensado
“Deus é brasileiro e anda do meu lado”
E assim já não posso sofrer no ano passado.
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro

COMO O DIABO GOSTA
Não quero regra nem nada:
Tudo tá como o diabo gosta, tá
Já tenho este peso, que me fere as costas
e não vou, eu mesmo, atar minha mão.

O que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será
E a única forma que pode ser normal
é nenhuma regra ter:
é nunca fazer nada que o mestre mandar
Sempre desobedecer
Nunca reverenciar

ALUCINAÇÃO
Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
em nenhuma fantasia nem no algo mais
nem em tinta pro meu rosto ou oba-oba, ou melodia
para acompanhar bocejos, sonhos matinais.
Eu não estou interessado em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do Oriente, romances astrais
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia
E meu delírio é a experiência com coisas reais

Um preto, um pobre, uma estudante, uma mulher sozinha
blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais
garotas dentro da noite, revólver... Cheira, cachorro!
os humilhados do parque com os seus jornais...
Carneiros, mesa, trabalho, meu corpo que cai do oitavo andar
E a solidão das pessoas dessas capitais,
a violência da noite, o movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra (É demais?)
Cravos, espinhas no rosto, rock, hot dog… Play it cool, baby!
Doze jovens coloridos, dois policiais
cumprindo o seu duro dever
e defendendo o seu amor... Eh! nossa vida!
Cumprindo o seu duro dever
e defendendo o seu amor...É nossa vida!

Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia nem no algo mais
Longe o profeta do terror que a Laranja Mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas me interessa mais

NÃO LEVE FLORES
Não cante vitória muito cedo, não,
nem leve flores para a cova do inimigo
que as lágrimas do jovem são fortes como um segredo:
Podem fazer renascer um mal antigo.

Tudo poderia ter mudado, sim
Pelo trabalho que fizemos – tu e eu
Mas o dinheiro é cruel e um vento forte levou os amigos
Para longe das conversas, dos cafés e dos abrigos
E nossa esperança de jovens
não aconteceu, não.

Palavra e som são meus caminhos pra ser livre, e eu sigo, sim!
Faço o destino com o suor de minha mão
Bebi, conversei com os amigos ao redor de minha mesa
E não deixei meu cigarro se apagar pela tristeza
Sempre é dia de ironia no meu coração.

Tenho falado à minha garota
– Meu bem, difícil é saber o que acontecerá.
Mas eu agradeço ao tempo; o inimigo eu já conheço,
Sei seu nome, sei seu rosto, residência e endereço.
A voz resiste. A fala insiste: Você me ouvirá
A voz resiste. A fala insiste: Quem viver verá

A PALO SECO
Se você vier me perguntar por onde andei
no tempo em que você sonhava
de olhos abertos, lhe direi:
– Amigo, eu me desesperava!
Sei que assim falando pensas
que esse desespero é moda em 76.
Mas ando mesmo descontente
Desesperadamente, eu grito em português.
Tenho 25 anos
de sonho e de sangue e de América do Sul,
Por força deste destino
um tango argentino me vai bem melhor que um blues.

Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76.
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês.

FOTOGRAFIA 3X4
Eu me lembro muito bem do dia que eu cheguei
Jovem que desce do Norte pra cidade grande
os pés cansados e feridos de andar légua tirana
De lágrimas nos olhos de ler o Pessoa
e de ver o verde da cana
Em cada esquina que eu passava um guarda me parava
Pedia os meus documentos e depois sorria
examinando o 3x4 da fotografia
e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha
Pois o que pesa no Norte, pela lei da gravidade
– disso Newton já sabia! – cai no Sul, grande cidade;
São Paulo violento... Corre o Rio que me engana
– Copacabana, Zona Norte e os cabarés da Lapa onde eu morei

Mesmo vivendo assim, não me esqueci de amar?
Que o homem é pra mulher e o coração pra gente dar
Mas a mulher, a mulher que eu amei não pôde me seguir não
Esses casos de família e de dinheiro eu nunca entendi bem
Veloso “o sol (não) é tão bonito”
pra quem vem do Norte e vai viver na rua,
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas pra dizer

A minha história é talvez igual a tua:
jovem que desceu do Norte e que no sul viveu na rua
e ficou desnorteado – como é comum no seu tempo
e que ficou desapontado – como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como eu como você.
Eu sou como você! Eu sou como você!

Eu sou como você que me ouve agora!
Eu sou como você! Eu sou como você!

ANTES DO FIM
Quero desejar, antes do fim,
pra mim e os meus amigos,
muito amor e tudo mais;
Que fiquem sempre jovens
e tenham as mãos limpas
e aprendam o delírio com coisas reais.

Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo:
o canto foi aprovado
e Deus é seu amigo.
Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
Viver é que é o grande perigo.

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