BELCHIOR
PARAÍSO
1982
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
E QUE TUDO MAIS VÁ PARA O CÉU
(Belchior, Jorge Mautner)
Um dia você me falou, em Andaluzia e em Valladolid
Granada fica além do mar, na Espanha
Molhou em meu vinho seu pão
E também me falou em coisas do Brasil
O FMI, Tom, poeta tombado na guerra civil
O homem da máquina então, então me falou
Vá embora poeta maldito!
O teu tempo maldito também já terminou
E eu fui embora sorrindo, sem ligar pra nada; como vou ligar
Para essas coisas quando eu tenho a alma apaixonada?
Mas teu cabelo é mais negro que o negro
Da asa da graúna, de um negro mais sutil
Preto como os tipos pretos que compõem a palavra anil
E à noite eu entro no CinemaScope
Tecnicolor, World Vision, daqueles de cowboy
De que vale a minha boa vida de playboy?
E eu compro este ópio barato
Por duas gâmbias, pouco mais
Mas como dói...
Eu entro num estádio e a solidão me rói
E eu quero mandar para o alto
O que eles pensam em mandar para o beleléu
E que tudo mais vá para o céu
E eu quero mandar para o alto
O que eles pensam em mandar para o beleléu
E que tudo mais vá para o céu
E que tudo mais vá para o céu
E que tudo mais vá para o céu
MONÓLOGO DAS GRANDEZAS DO BRASIL
Todo mundo sabe/todo mundo vê
Que tenho sido amigo da ralé da minha rua
Que bebe pra esquecer que a gente
É fraca
É pobre
É víl
Que dorme sob as luzes da avenida
É humilhada e ofendida pelas grandezas do brasil
Que joga uma miséria na esportiva
Só pensando em voltar viva
Pro sertão de onde saiu
Todo mundo sabe
(principalmente o bom deus, que tudo vê)
Que os homens vão dizer que a vida é dura e incompleta
Pra quem não fez a guerra e não quer vestibular
Pra quem tem a carteira de terceira
Pra quem não fez o serviço militar
Pra quem amassa o pão da poesia
Na limpeza e na alegria
Contra o lixo nuclear.
Como uma metrópole,
O meu coração não pode parar
Mas também não pode sangrar eternamente
Ta faltando emprego
Neste meu lugar
Eu não tenho sossego
Eu quero trabalhar
Já pensei até em passar a fronteira.
- eu vou pra São Paulo e Rio
(Eldorados da além-mar)
A estrada é uma estrela pra quem vai andar.
Oh! Não! Oh! Não!
Ai! Ai! Que bom que é
A lua branca, um cristão andando a pé!
Ai! ai! que bom, que bom se eu for
Pés no riacho, água fresca, nosso senhor!
Vou voltar pro norte/ semana que vem
Deus já me deu sorte/ mas tem um porém
Não me deu a grana/ pra eu pagar o trem.
MA
EEi! Ma! Você é tão boa!
(MA em hindu é mulher)
EEi! Ma! Como você voa!
Não me dá nenhuma colher de café
EEi! Ma! Você ri à toa!
Contigo jogo melhor que Pelé
Ma não é qualquer pessoa, não
Enquanto eu pretendo ser, ela é
O sol tem sete estágios
As estrelas também
Um elefante é tão elegante
Procuro Ma, a minha amante
Os magos chegam bem cedo
Montados em incríveis motos
Encontro Ma, minha amante
Sentada numa flor de lótus
DA COR DO CACAU
(Guilherme Arantes)
A minha morena é cor do cacau
sabor de banana é sol tropical
Este balanço é pra te embalar
esta canção é prá te encantar
estes acordes são recordação
que nunca é tarde, não, no coração
O meu Reggae é pra regalar
a minha Salsa é pra temperar
o meu Calipso é pra refrescar
ah, e o Merengue é pra suspirar
BELA
Ela
É
Bela
Bela como a luz elétrica
Mensagem pura
Como as letras do alfabeto
Estas estrelas
Como poema concreto
Claro projeto
Como um lugar comum secreto
Ela
Ela o avesso do verso: O processo
A prosa; o trabalho em progresso
Meu lance de dez no acaso do sucesso
Mensagem de amor na votação do congresso
Meu voto é dela!
Ela
Minha (a) ventura, minha bem – aventurança
Minha mãe, minha irmã, minha mulher, minha criança
Raiz do meu cantar, matriz da minha contradança
Bárbara beatriz é ela
Ela
Sensibilidade de fortaleza à luz do dia
Toda a sensualidade da Bahia
Folia da utopia da anarquia da poesia
Inferno e paraíso é ela
PARAÍSO
Amo tua voz e tua cor
E teu jeito de fazer amor
Revirando os olhos e o tapete
Suspirando em falsete
Coisas que eu nem sei contar
Ser feliz é tudo que se quer
Ah! Esse maldito fecho éclair
De repente a gente rasga a roupa
E uma febre muito louca
Faz o corpo arrepiar
Depois do terceiro ou quarto copo
Tudo que vier eu topo
Tudo que vier, vem bem
Quando bebo perco o juízo
Não me responsabilizo
Nem por mim, nem por ninguém
Não quero ficar na tua vida
Como uma paixão mal resolvida
Dessas que a gente tem ciúme
E se encharca de perfume
Faz que tenta se matar
Vou ficar até o fim do dia
Decorando tua geografia
E essa aventura em carne e osso
Deixa marcas no pescoço
Faz a gente levitar
Tens um não sei que de paraíso
E o corpo mais preciso
Do que o mais lindo dos mortais
Tens uma beleza infinita
E a boca mais bonita
Que a minha já tocou
DO MAR, DO CÉU, DO CAMPO
Fê-pê, Lê-pê, O-pô, Rê-pê,
Aflor do mar, o céu: Rose Selavy.
Lê-pê, A-pá, Ga-pá, O-pô, O-pô, Quê-pê:
A Giocondadá, flor do campo.
Ay! Minha moça ready made passando de virgem à noiva.
My non sense of humour, minha máquina de viver.
Ay! Fonte. Um nu descendo um novo lance de escadados.
Orei, a rainha, o cavalo, o peão, o grande vidro de xadrez.
Cê-pê, A-pá, Nê-pê, Tê-pê, A-pá, Rê-pê,
Cantar o mar no céu, la vie en rose aqui
Estuve pensando en ti, xyz de mi problema:
A culpa é do cinema!
A-E-I-O-U, doble U, dobre o U
Na cartinha da Juju, Misanu.
A-E-I-O-U, dabliú, dabliú,
Que a partilha é de Ubu.
Noiva Maria, denudada por seus parceiros solteiros.
Ay! Dama do meu fliperama, mulher-objeto trovado no chão.
Oh! sonho que o dinheiro compra. Oh! pedra de toque, palavraclosada
Oh! trova clusada. E Kitsh goliardo
Que inventa-provença na minha canção!
A/B/C/D/E/Fê/Guê/
Agá/I/K/Lê/Mê/
N/O/P/Q/Rê/
STUV pensando en ti, XYZ de mi problema:
A cULpa é do cinema
A ESTRANHELEZA
(Arnaldo Antunes)
Pétala de flor na bochecha
Se enfeita, na mata, a menina preta
Fanta-uva, doce corante
Sou feliz, no pé
verniz diamante
Eê, língua de macaco êê
Perna de serpente
Hóstia manchada de batom
Bomba tomar
Num tá tudo bom
Eê, êe
Eieiei iê
Eieiei iê eê
Eê eê!
Em Saturno há tempestades douradas
No céu (no Céu!!) eu tenho dez namoradas
Tanta estranheleza me encanta
Santa mulher com pele de planta
Eê, língua de macaco, êê
Perna de serpente
Miss mistério no stereo do som
Pérola, tudo tambor tão bom
ELA
Ela contou pra mim que tinha sonhos e se assustava
Por não saber o sentido daquele lance vivido nas ultimas madrugadas
Ela contou pra mim que tinha medo do seu espelho, queria um apoio um conselho
Mas não contava o segredo que seu olhar revelava
Mas a vida era uma festa e as viagens eram fugas
E a solidão, a única amiga a unica certeza da vida
Estava sempre esperando por ela em qualquer porto ou estação
Ela... Uau!
Ela contou pra mim que tinha sonhos e se assustava
Por não saber o sentido daquele lance vivido nas ultimas madrugadas
Ela contou pra mim que tinha medo do seu espelho, queria um apoio um conselho
Mas não contava o segredo que seu olhar revelava
Ela contou pra mim que tinha sonhos
Ela contou pra mim que tinha
Ela contou pra mim que
Ela
RIMA DA PROSA
Deixe nessa casa sua fala gravada na fita
Permita que eu aperte o botão
O sol glorioso iluminou toda a cidade
E nós cantores
Se a morte chega já deixamos a nossa voz
E alegria nos dentes
Nos olhos dos contentes
A nossa pose na fotografia
Que revela o belo e a bela
Cravo e canela
Verso universo
Romance e folia
Rima da prosa
que o corpo irradia
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