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e ai que tenho três livros de autoria publicada que fiz praticamente tudo neles e vou fixar esse post aqui com os três pra download e todos...

quarta-feira, 18 de março de 2020

POST DEFINITIVO DO DIA: cinema e hq, hq e cinema

ouvindo: Brian Eno, Apollo: Atmospheres and Soundtracks, de 1983

no post Filmes de ontem e Quadrinho de anteontem, de 3 de novembro de 2018, comentei uns filmes que eu ‘tava me enrolando pr’assistir hoje vou... nesse segundo post do dia – o primeiro foi só aquecimento –, vou tratar de uma das HQs que falei que baixei estes dias e mais um filme que baixei do (saudosérrimo) Cinema, Sal e Tequila em janeiro d’ano passado (yeah, sim, antes de o derrubarem) e vi no mesmo dia. a HQ se chama Habitat, escrita e desenhada pelo canadense Simon Roy. o filme se chama Pais e Filhos, escrito e dirigido por Hirokazu Koreeda.
Habitat, de Simon Roy
Pais e Filhos, escrito e dirigido por Hirokazu Koreeda

indo direto ao ponto e sem firulas: as duas obras são dois socões na tua cara, por ação de abordarem como abordam seus temas centrais e trazendo, as suas maneiras particulares, duas grandes discussões aos holofotes.e, ironicamente e muitíssimo conveniente, as obras em questão são do mesmo ano, 2013, o que terminei a graduação ha ha ha ha. grande ano louco do caralho, que pena que acabou (nem tanta assim).
Habitat foi escrita e desenhada pelo autor canadense de ficção científica Simon Roy para a Image Comics, é uma fucking aula de antropologia que (creio eu!) Herr Professor Bronisław Kasper Malinowski (1884-1942), Herr Professor Clifford James Geertz (1926-2006), Frau Professorin Edna Ferreira Alencar, Herr Professor Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) e Herr Professor Darcy Ribeiro (1922-1997) adorariam ler e inquestionavelmente Meister Asimov, Meister Bradbury, Meister Dick (UUUUUUUUUUUUI!)Meister Clarke e Meister Heinlein diriam “CARALHO, HEIN?!?” ao terminar a contemplação do texto. 
sim, Habitat é antropologia combada à ficção científica te socando e te chutando a cara simultaneamente. nada é simples, tampouco gratuito no script e tudo é certinhamente explicado em seu devido momento, sendo que os esboços que vêm como extras no final ajudam caralhamente nas explicações de como o negócio todo funciona.
o termo Habitat, creio que fazendo referência à maravilha do mundo moderno (ver o clássico Maravilhas Do Mundo, de Isabel Otterbarry Ross) homônima localizada em Montreal, é uma porra de uma estação espacial situada na órbita de um planeta cujo nome nunca é dito no texto. e, nesta unidade, reside um povo cujo nome nunca é dito e é dividido em castas – miseráveis, guerreiros e engenheiros – e cujos traços e idioma (sim, TOTALMENTE ALIENÍGENA) e hábitos e ritos são obviamente inspirados em povos nativo-americanos bastante anteriores aos Incas, Mais, Astecas, Toltecas e Olmecas – ou mesmo assemelhados a tais mesoamericanos.
Habitat 67, assinado pelo arquiteto israelo–canadiano Moshe Safdie em parceria com a McGill University para realizar a Exposição Internacional e Universal de 1967 e os Jogos Olímpicos de Verão de 1976
como esse pessoal conseguiu essa tecnologia? e apresenta a questão de, à virtude de um desastre natural ou socialmente induzido mega monstrosamente fudido, esta sociedade decaiu... se colapsou a si mesma a ponto de se dividir em grupos sociais para, não sei, para não se extinguir? para não se tornar uma Rapa Nui 2.0, bem como estamos fazendo conosco?
e então há o “herói” – em verdade, um puta despreparado do caralho que muitas vezes só faz fazer raiva mesmo –, Hank Cho (¿seria uma homenagem ao quadrinista coreano?), cujo ideal de vida era ascender de um miserável que comia restos para o estato de Habsec, a classe militar altamente belicosa (redundânciazinha de leve, perdão) e canibal Corpse que governa o habitat orbital que todos ali apregoam como lar. Mas quando ele através da captura de um Civvie, de uma classe considerada pária e inimiga dos (suponho ser uma outra etnia, vai saber), Hank tem acesso a um fuckin laser, cuja simples existência já põe toda esta sociedade em polvorosa, querendo recuperar o artefato, resultando numa puta balbúrdia do caralho e os Habsec à caça do recém-recruta de primeira classe indo parar no coração do quartel-general da casta dos engenheiros (que os Habsec têm como inimigos por não aceitarem se submeter), onde as pesquisadoras Arda e Joan contam ao canibalzinho (será que alguém chamava o cara do Devotos do Ódio assim?) o que sabem do Habitat estar como está e como o dispositivo em poder de Cho reestrutura toda a balança de poder no satélite artificial. o final, fazendo meio que referência ao conto We Can Remember It for You Wholesale, de Philip Kindred Dick (foi desse conto saiu o roteiro do clássico ArnoldSchwarzeneggeriano O Vingador do Futuro) é algo WTF estupidamente maravilindo que tu estás cagando se faz sentido ou não (na verdade faz sim, a explicação ‘tá lá total dentro do texto, mas tem que prestar atenção pra caralho pra entender).
Habitat é a primeira obra que li de Simon e esse filho da puta simplesmente DESTRUIU nela, criando um visual mezzo Apocalyptico, mezzo o próprio Rapa Nui - A Conquista do Paraísomezzo Star Warsmezzo Aliens - O Resgate de forma bastantona dosada e, apesar do que falei sobre a presença gritante da antropologia, tu não precisas ter decorados de trás pra frente na cabeça o Sociologia e Antropologia do Marcel Mauss + os dois Antropologia estrutural do Claude Lévi-Strauss + Os Argonautas do Pacífico Ocidental e Uma teoria científica da cultura do Malinowski pra se deliciar com Habitat (preciso até terminar de ler o primeiro volume do Antropologia estrutural e o  Uma teoria científica da cultura).
ainda sobr’essa questão, da sociedade “partida” do Habitat e sua religião com a tecnologia, é bastante interessante o convívio deste povo com os diferentes níveis de tecnologia, já que o acesso aos níveis mais avançados não dependem somente da classe à qual o/a indivíduo/a pertença, mas qual sua classe... a classe do/a indivíduo/a dentro daquela classe (quem já leu o Livro da Tradição Filhos do Éter, suplemento pro RPG Mago: A Ascensão vai entender de que porra eu ‘tô falando). tecnologia não é uma porra alienígena (UUUUUUUUUUUUUUUUI!) porque ela já faz parte do cenário, dos hábitos, ritos, certamente da religião local também (dã, claro que sim, né?).
e tem as críticas anarquistas quanto à tecnologia e à civilização cabíveis ao texto analisado. o historiador britânico Anrold Joseph Toynbee (1889-1975) entende a civilização, no sentido geral, como o apanhamento de utensílios artificiais desenvolvidos para se impor ante à natureza na luta por sua sobrevivência – i.e., uma consequência natural da relação hostil entre o homem e a natureza[1]. TODAVIA, no caso de Habitat, houve uma recivilização para se adaptar aos problemas possivelmente criados por esta sociedade em questão, viabilizando sua permanência pós-colapso[1] através de uma proto-tecnocracia que controla o que resta de tecnologia pré-colapso, sem contar as novas ressignificações simbólicas e reutilizações utilitárias para o que pode ser considerado “simbólico” e “útil”. tal como o que aconteceu no Vietnã pós-Guerra, p.ex.
ai então Habitat se aproxima de Rapa Nui - A Conquista do Paraíso e de Mad Max no tocante a “que estamos fazendo conosco enquanto civilização (ainda que alguns autores afirmem que civilização só é aquela que pratica agricultura e dela depende para sustento)?” e “que estamos fazendo conosco enquanto sociedade?”, considerando as sociedades de Habitat (1), Rapa Nui (2) e Mad Max (3) podem ser classificadas enquanto nativas/primitivas  já que dependem do canibalismo (1), coleta e caça (2) e roubo e pilhagem (3). o que nos guia a última questão: terminaremos como - Habitat, Rapa Nui ou Mad Max?
façam suas apostas.


é assaz conveniente, pra dizer o mínimo, tratar de um filme como Pais e Filhos (enfia a música d’As Quatro Estações no seu cu porque não tem nada a ver com o aqui tratado) no Brasil, sendo que cerca de 5.5*10^6 brasileiros não possuem registro paterno na certidão de nascimento e quase 12*10^6 famílias são formadas  por mães solo [2] [3] e, segundo o promotor de justiça brasileiro Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, o abandono parental-afetivo por parte dos homens se tornou uma epidemia social com níveis realmente alarmantes [4] [5], sendo que discussões e medidas para sua solução precisam ser imediatamente tomadas [6].
e dá pra cruzar essas infos com o adágio “pai é quem cria”? sim, dá sim. visto que o grande caralho do filme japonês Pais e Filhos, escrito e dirigido por Hirokazu Kore-eda, recai justamente sobr’a tônica desta relação em Portugal, a película recebeu o título Tal Pai, Tal Filho, que, sim, (admitamos que) remete ao (filme) homônimo de 1987, dirigido por Rod Daniel; escrito por Steve Bloom, Lorne Cameron e David Hoselton; e estrelado pelo então queridinho do cinema de comédia estadunidense Dudley Moore e Kirk Cameron (talvez esse seja seu único filme tido como relevante no Brasil, suponho). enquanto os estadunidenses se valem do humor para tratar da relação pai e filho, Kore-eda arrasta nossas caras e corações em asfalto quente de duas da tarde da Almirante Barroso.
Tal Pai, Tal Filho, de 1987, dirigido por Rod Daniel; estrelado por Dudley Moore e por Kirk Cameron

sendo... fazendo uma comparação bem mais justa e honesta, o texto de Kore-eda poderia remeter ao romance infanto-juvenil Freaky Friday, da escritora, roteirista, compositora e musicista estadunidense Mary Rodgers (1931-2014) [eu tive a versão da Ática, publicada em 1997 {ver capa abaixo} e traduzida/adaptada pela UMWELTESMEISTERIN Ana Maria Machado], e que teve, inclusive, umas adaptações pro cinema (as minhas favoritas são com a Jodie Foster e a Barbara Harris, de 1976; e a Shelley Long e a Gaby Hoffmann, que passava até no Cinema em Casa)] devido ao conflito de gerações, ainda que sejam sociedades e épocas fudidamente caralhalmente distintivamente idiossincráticas.
Que Sexta-feira Mais Pirada!, de Mary Rodgers 
eu tinha, não sei que fim levou, quase selado que foi embora num empréstimo

“mas que porra trata o filme afinal, Quilômetros?”
o plot principal de Soshite Chichi ni Naru [título original do texto] meio que não é novo: filhos trocados na maternidade e por uma situação totalmente aleatória, os pais descobrem isso e vão em busca dos pais reais dos filhos pra meio que “realizar a troca”. mas é ai que tu dirás que não se troca filho como se troca na loja roupa que não serviu e é E-X-A-T-A-M-E-N-T-E-I-S-S-O que acontece, visto que uma família é de classe alta – o empresário workaholic do ramo imobiliário Nonomiya Ryōta (Masaharu Fukuyama) e a esposa, Nonomiya Midori (Machiko Ono), a “tradicional” esposa submissa que reza tudo pela cartilha do marido – e a outra – composta pelo casal Yukari (Yōko Maki) e Saiki Yūdai (Lily Franky [nascido Masaya Nakagawa]) e os filhos – reside em um distrito pobre de Tóquio, tendo como fonte de renda uma loja de eletrônicos, ferragens e lâmpadas.
Soshite Chichi ni Naru disserta um diálogo entre duas camadas da sociedade japonesa que, visto e sabidos muitos exemplos na própria sociedade brasileira (‘tá, sim, vou citar o Parasita também porque cabe aqui também) que só se tocam, conhecem e convivem em situações meio que extremas – como a apresentada neste texto tanto à visão dos Nonomiya quanto à dos Saiki, a alteridade[7] brinca de pira, sendo que, em muitos momentos, pensa-se a obra ser a porra de um documentário em decorrência da naturalidade das famílias agindo.
e o grande caralho alho alho passa a ser o pós-convívio destes grupos sociais, visto que Midori e Yukari se tornam amiguinhas – o que Ryōta reprova veemente. ademais, enquanto Midori, Yukari e Yūdai passam a conviver quase que harmoniosamente em decorrência das crianças, Keita (fazendo ele mesmo) (que em verdade é um Saiki) e Ryūsei (Shogen Hwang) (que em verdade é um Nonomiya), que, em muitas partes, dá pra sacar que elas são as mais incomodadas com tudo aquilo.
bom, mas não são não. sabe Ryōta ele que passa pela maior provação de humanidade do texto, já que, por mais que odeie admitir, admite que foi um pai de merda pro Keita (e a Midori sempre que pode o alfineta subdizendo qu’ele também é um marido escroto) e fica realmente encurralado com toda a situação a ponto de sugerir ficar com as duas crianças para lhes garantir um futuro que considera digno e decente (se sua esposa fica puta/ofendida com isso? só vocês vendo a reação). ele é um filho da puta sim, mas cada um é cada um e chega a ser lindo o desespero e a frustração dele em muitas passagens quanto a isso tudo acontecendo. no meu entender, a única coisa decente dele foi não ter diminuído Yukari e Yūdai nos raríssimos momentos que passaram juntos só os três, por mais que a língua dele esteja queimando para tanto.
o final consiste em os Nonomiya fazerem uma visita aos Saiki (a casa fica nos fundos da loja – algo bem brasileiro, eu diria), permitindo entender que Ryōta considera melhor as famílias, para o bem de Keita e de Ryūsei, prosseguirem juntas, algo que certamente deve agradar Saiki-Chichi e Saiki-Okāsan
e faço necessário pontuar que tem ‘macoisa que achei fudida de interessante foi os Saiki serem xintoístas praticantes enquanto Ryōta inegavelmente cagar pro budismo de sua família, o que deixa seu pai, Nobuko (Isao Natsuyagi), putaço.
por fim e voltando aos dados apresentados lá no começo da minh’apreciação, Kore-eda não faz um filme APENAS sobre famílias, sobre o que faz uma família ser uma família, mas principalmente joga na mesa e nas caras dos homens que têm filhos as questões “o que faz um pai?” “o que faz de um homem pai?” “por que ser um pai?” que, bura combinar, não são de fáceis respostas não e que sempre e sempre e sempre merecem ser levantadas e revisitadas
Soshite Chichi ni Naru tem duas horas que não passam fáceis, caso o/a espectador/a seja habituado/a a filmes mais “dinâmicos” e certamente vai te deixar com uma bigorna no estômago em muitas situações e um fuckin container quando os créditos finais. mas vale muitão assistir.





BIS
ZU
DEM
BREAKIN
FUCKIN
NEUEN
POST
!!!




R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

[1] Contraciv. O que é civilização e qual o problema com ela? 2019. disponível em <https://contraciv.noblogs.org/o-que-e-civilizacao-e-qual-o-problema-com-ela/>.

[2] O abandono afetivo paterno além das estatísticas. Ip Comunica, 07 ago 2019. disponível em <http://www.ip.usp.br/site/noticia/o-abandono-afetivo-paterno-alem-das-estatisticas/>. acessado em 18 de março de 2020.

[3] BASSETE, Fernanda. Brasil tem 5,5 milhões de crianças sem pai no registro. Exame. 11 ago 2013, 13h52. disponível em <https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-5-5-milhoes-de-criancas-sem-pai-no-registro/>. acessado em 18 de março de 2020.

[4] CARRASCO, Daniela. “Vivemos uma epidemia social de abandono paterno”, diz promotor. Portal Uol, 10 de abril de 2018. disponível em <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/04/10/vivemos-uma-epidemia-social-de-abandono-paterno-diz-promotor.htm>. acessado em 18 de março de 2020.

[5] RABELO, Camilla Nunes. A epidemia de abandono parental no Brasil. Paracatu.net, 1 ago 2019 21h27. disponível em <https://paracatu.net/view/8603-a-epidemia-de-abandono-parental-no-brasil>. acessado em 18 de março de 2020.

[6] LIMA, Daniel Costa; DO CARMO, Milena Cunha dos Santos. A Situação da Paternidade no Brasil 2019: Tempo de Agir. Rio de Janeiro: Promundo, 2019. disponível em <https://promundo.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2019/08/relatorio_paternidade_promundo_06-3-1.pdf>. acessado em 18 de março de 2020.

[7] “relação que transcende a perspectiva de sujeito cognoscente [7.1], que apreende a realidade como objeto cognoscível [7.2] visto o conhecimento ser, de um lado, condicionado pelo sistema de valores de referência daquele que conhece e sua capacidade cognitiva pelos sentidos; de outro, pela complexidade do objeto que se conhece ou se dá a conhecer”
– retirado de
TAVARES NETO, J. Q. ; KOZICKI, Katya . Do “eu” para o “outro”: a alteridade como pressuposto para uma ressignifação dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito. Universidade Federal do Paraná, v. 47, p. 65-80, 2008. Universidade Federal do Paraná, v. 47, p. 65-80, 2008. disponível em . acessado em 18 de março de 2020. disponível em <https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/15735/10441>. acessado em 18 de março de 2020.

[7.1] Cognoscente é aquele que conhece ou que tem a capacidade de conhecer. O sujeito cognoscente, por conseguinte, é quem realiza o acto do conhecimento.
[7.2] Objeto ou ser que pode ser conhecido.

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