BELCHIOR
ERA UMA VEZ UM HOMEM E SEU TEMPO
1979
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
MEDO DE AVIÃO
(Belchior, Gilberto Gil)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Um gole de conhaque, aquele toque em teu cetim
que coisa adolescente, James Dean
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Não fico mais nervoso, você já não grita
E a aeromoca, sexy, fica mais bonita
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Agora ficou fácil, todo mundo compreende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand
Agora ficou fácil, todo mundo compreende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand
RETÓRICA SENTIMENTAL
Moro num lugar comum, perto daqui, chamado Brasil
Feito de três raças tristes, folhas verdes de tabaco
e o guaraná guarani
Alegria, namorados, alegria de Ceci
Manequins emocionadas
são touradas de Madrid
que em matéria de palmeira ainda tem o buriti perdido
Símbolo de nossa adolescência
signo de nossa inocência índia, sangue tupi
E por falar no sabiá, o poeta Gonçalves Dias é que sabia
Sabe lá se não queria
uma Europa bananeira
Diga lá, tristes trópicos
sabiá laranjeiras
Aliás, meu camarada, o cantor popular falou divinamente
Deus é uma coisa brasileira, nordestinamente paciente
Oh! blood moon
BRASILEIRAMENTE LINDA
Olha-me:
oh! yes! oh! yes!
brasileiramente linda
oh! yes! oh! yes!
brasileiramente linda.
mente brasileira
mente lindamente brasileira
Envolve-me
oh! yes! oh! yes!
brasileiramente linda
oh! yes! oh! yes!
lindamente brasileira.
Eu não vou querer o amor somente: é tão banal!
Busco a paixão fundamental,
(edípica vulgar)
de inventar meu próprio ser.
Oh! senhora dona cândida,
coberta de ouro e prata!
descubra seu corpo/rosto:
nós queremos ver-lhe a alma.
Antes que algum rouxinol
diga que é dia, é de manhã,
o sol já vem (here comes the sun!)
vem, estrela camponesa,
vênus, nuvem nua, lua nova, anjo fêmea...
e beija-me, oh! yes! oh! yes!
como se eu fosse um homem livre
oh! yes! oh! yes!
como um gesto primitivo
oh! yes! oh! yes!
do amor humano/animal, substantivo...
do amor humano/moreno, brasileiro.
(no Brasil e no estrangeiro)
O maior amor do ano no cinema americano!
PEQUENO PERFIL DE UM CIDADÃO COMUM
(Belchior e Toquinho)
Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Falava de negócios, ria, via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua
Acordava sempre cedo (era um passarinho urbano)
Embarcava no metrô, o nosso metropolitano...
Era um homem de bons modos:
"Com licença; - Foi engano"
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que caminha para a morte pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que tem no fim da tarde a sensação
Da missão cumprida (Introd.)
Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis
Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis
Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis
Mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo)
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto
Que a terra lhe seja leve
TUDO OUTRA VEZ
Há tempo muito tempo que eu estou longe de casa
E nessas ilhas cheias de distância
O meu blusão de couro se estragou
Ouvi dizer num papo da rapaziada
Que aquele amigo que embarcou comigo
Cheio de esperança e fé, já se mandou
Sentado à beira do caminho pra pedir carona
Tenho falado à mulher companheira
Quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil
E um cara que transava à noite no "Danúbio azul"
Me disse que faz sol na América do Sul
Que nossas irmãs nos esperam no coração do Brasil
Minha rede branca, meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade" como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar
Gente de minha rua, como eu andei distante
Quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Minha normalista linda, ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar
Até parece que foi ontem minha mocidade
Com diploma de sofrer de outra Universidade
Minha fala nordestina, quero esquecer o francês
E vou viver as coisas novas, que também são boas
O amor/humor das praças cheias de pessoas
Agora eu quero tudo, tudo outra vez
Minha rede branca, meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade" como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar
Gente de minha rua, como eu andei distante
Quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Minha normalista linda, ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar
CONHEÇO MEU LUGAR
O que é que pode fazer o homem comum
Neste presente instante senão sangrar?
Tentar inaugurar
A vida comovida
Inteiramente livre e triunfante?
O que é que eu posso fazer
Com a minha juventude
Quando a máxima saúde hoje
É pretender usar a voz?
O que é que eu posso fazer
Um simples cantador das coisas do porão?
Deus fez os cães da rua pra morder vocês
Que sob a luz da lua
Os tratam como gente - é claro! - aos pontapés
Era uma vez um homem e o seu tempo
Botas de sangue nas roupas de lorca
Olho de frente a cara do presente e sei
Que vou ouvir a mesma história porca
Não há motivo para festa: Ora esta!
Eu não sei rir à toa!
Fique você com a mente positiva
Que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)
Pois sou uma pessoa.
Esta é minha canoa: Eu nela embarco.
Eu sou pessoa!
A palavra "pessoa" hoje não soa bem
Pouco me importa!
Não! Você não me impediu de ser feliz!
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem: Conheço o meu lugar!
COMENTÁRIO A RESPEITO DE JOHN
(Belchior e José Luiz Penna)
Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam de que lado nasce o sol
Por que bate lá meu coração
Sonho e escrevo em letras grandes (de novo)
Pelos muros do país
João, o tempo andou mexendo com a gente sim
John, eu não esqueço (oh no, oh no)
A felicidade é uma arma quente, quente, quente
Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam de que lado nasce o sol
Por que bate lá meu coração
Sob a luz do teu cigarro na cama
Teu rosto-rouge, teu batom me diz
João, o tempo andou mexendo com a gente sim
John, eu não esqueço (oh no, oh no)
A felicidade é uma arma quente, quente, quente
VOZ DA AMÉRICA
El condor passa sobre os Andes
e abre as asas sobre nós.
Na fúria das cidades grandes
eu quero abrir a minha voz.
Cantar, como quem usa a mão
para fazer um pão,
colher alguma espiga;
como quem diz no coração:
- Meu bem, não pense em paz,
que deixa a alma antiga.
Tentar o canto exato e novo,
que a vida que nos deram nos ensina,
pra ser cantado pelo povo,
na América Latina.
Eu quero que a minha voz
saia no rádio, e no alto falante;
que Inês possa me ouvir, posta em sossego a sós,
num quarto de pensão, beijando um estudante.
Quem vem de trabalhar bastante
escute e aprenda logo a usar toda essa dor
quem teve que partir para um país distante
não desespere da aurora, recupere o bom humor.
Ai! Solidão que dói dentro do carro...
Gente de bairro afastado,
onde anda meu amor?
Moça, murmure: Estou apaixonada,
e dance de rosto colado, sem nenhum pudor.
E à noite, quando em minha cama
for deitar minha cabeça,
eu quero ter daquela que me ama
um abraço que eu mereça;
um beijo: o bem do corpo em paz,
que faz com que tudo aconteça;
e o amor que traz a luz do dia
e deixa que o sol apareça
sobre a América,
sobre a América, sobre a América do Sul.
ESPACIAL
Olha para o céu: tira teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Traz o teu sorriso novo espacial
Pra quem fez a estrela artificial
Eu sei que agora a vida deixa de ser vã
Pois há mais luz na avenida
E mais um astro na manhã
Quem volta do seu campo,ao sol poente, vem dizer
Que a estrela é diferente e faz o trigo aparecer
Olha para o céu: tira o teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Não é pra São Jorge, nem pra São João
Pois não é outra lua e não é balão
Quem mora no Oriente não vai se incomodar
Ao ver que no Ocidente a estrela quer passar
Não há mais abandono nem reino de ninguém.
Se a terra já tem dono, no céu ainda não tem
Por isso vem; deixa o cansaço, apressa o passo
E vem correndo pro terraço e abre os braços
Para o espaço que houver
Quem não quiser deixar a terra em que vivemos
Pelos astros onde iremos vai ouvir
Ver e contar tantas estrelas
Quantas forem nossas naves, noutros mares mais suaves
A voar, voar, voar
MEU CORDIAL BRASILEIRO
(Belchior e Toquinho)
Meu cordial brasileiro (um sujeito)
me conta o quanto é contente e quente
...Sorri de dente de fora, no leito,
sulamericanamente.
Senhor não me perdoa
eu não estar numa boa
perder sempre a esportiva,
frente a esta gente indecente,
que come, drome e consete;
que cala, logo está viva.
Também estou vivo, eu sei,
mas porque posso sangrar;...
e mesmo vendo que é escuro,
dizer que o sol vai brilhar
com/contra quem me dá duro,
com o dedo na cara,
me mandando calar.
Menina,
ainda tenho um cigarro, mas eu posso lhe dar.
Menina,
a grama está sempre verde, mas que quero pisar.
Menina,
a Estrela do Norte nem saiu do lugar.
Menina,
asa branca, assum preto, sertão não virou mar.
Menina,
o show já começou, é bom não se atrasar.
Menina,
é proibida a entrada, mas eu quero falar
com/contra quem me dá duro,
com o dedo na cara,
me mandando calar
Que o pecado nativo
é simplesmente estar vivo,
é querer respirar.
MEDO DE AVIÃO II
(Belchior e Gilberto Gil)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez a tua mão
Um gole de conhaque, aquele toque em teu cetim
(Que coisa adolescente, James Dean!)
Foi emoção comum: daquela que arrepia a pele
e leva as mãos, há pouco indiferentes
a correr pelas sedas, pelos cílios, pelos belos
pêlos virgens de lâminas e pentes
(Brilham teus grandes lábios e teus dentes!)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez a tua mão
Não fico mais nervoso e você já não grita
(E a aeromoça, sexy, fica mais bonita!)
Não foi a força bruta da beleza
Nem o vigor cruel da mocidade
E sim dois animais em paz com a natureza
E sim dois corpos
Objetos Sensuais contra a lei da gravidade
(Nós nem pensamos na felicidade!)
(Nós nem pensamos na felicidade!)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Agora ficou fácil, todo mundo entende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand!
Foi por medo de avião
(I wanna hold your hand)
Que coisa adolescente, James Dean
(I wanna hold your hand)
“FELIZ ANIVERSÁRIO!!!” e “MUTIAS FARRAS NA VIDA!!!” para os meus bons amigos ERIC COELHO PEREIRA e MARICELI VASCONCELOS DA SILVA!!!