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YEAH, HOUSTON, WIR HABEN BÜCHER!

e ai que tenho três livros de autoria publicada que fiz praticamente tudo neles e vou fixar esse post aqui com os três pra download e todos...

segunda-feira, 29 de julho de 2019

CANÇÃO PARA JACQUELINE E MARCEL – poema escrito no buzão

CANÇÃO PARA JACQUELINE E MARCEL

cores do céu escurecendo
tarde sendo noite
tarde virando noite
são essas cores em praia quando anoitece
vocês também veem percebem quando anoitece assim
ou ai sempre anoitece assim que vocês não veem mais...?
voltaram em paz, voltem em paz
não deixem de vir jamais
não deixem de voltar
quando vocês vão voltar?
ir já pensando em voltar
um dos poucos males de viajar é ir já pensando em voltar 
não deixem de voltar
trazer de volta a parte do meu coração que agora com vocês está.
quando amigos reúnem, creio,
são corações partidos se tornando um novamente.
o que são amigos senão corações e mentes
formados por corações e mentes...?
corações e mentes e lembranças...
parece que foi ontem que reunimos.
parece que será mais tarde, daqui a pouco
que reuniremos.
enquanto pudermos lembrar e chorar, sempre estaremos
sempre será aquela noite de sábado
e risos e lembranças e causos
arroz e feijão e frango guisado e ervilha e farinha
e cerveja e refrigerante com ypioca ouro
e quando de novo?
um dia de novo...
quando menos esperamos ou nos pensarmos,
de novo.


:: 29 de julho de 2019 ::

quarta-feira, 24 de julho de 2019

BELCHIOR – OBJETO DIRETO - 1980

BELCHIOR
OBJETO DIRETO
1980
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
OBJETO DIRETO
Eu quero meu corpo bem livro do peso inútil da alma
Quero a violência calma de humanamente amar
Eu quero quebrar o quebranto do permitido e do proibido
E nego o que nega os sentidos direito e dom de gozar
A verdade está no vinho “In vino veritas”
Que me faz gauche, anjo torto
Que retempera o meu corpo nos pecados capitais
Pois a pedra no sapato de quem vive em linha reta
É a sentença concreta
Viver e brincar e pensar tanto faz
Substantivo comum um infinito presente
Este, objeto direto, reto, repleto, completo
Presente, infinitamente

NADA COMO VIVER
Nada
Nada como viver
Nada como viver de repente
Nada, nada, nada, nada!
Nada como viver
Nada como viver de repente

Alegria é uma beleza
Com certeza eu viveria
Nessa cor que a moça usa
Além da blusa
Eu quero viver

Amar, prazer, por que não dizer
O palavrão, a palavra, tentação
Amar, prazer, por que não dizer
O palavrão, a palavra, coração

Nada, nada como viver
Nada como viver de repente
Nada, nada, nada, nada
Nada como viver
Comover é comover
Nada como viver de repente

Quando a vida acontecer
Tão bonita mocidade
A palavra independente
O corpo que sente
Sabe fazer

Amar, prazer, por que não dizer
O palavrão, a palavra, sensação
Amar, prazer, por que não dizer
O palavrão, a palavra, sem o senão

Nada
Nada como viver
Nada como viver de repente
Nada, nada, nada nada
Nada como viver
Nada como te ver tão contente

PEÇAS E SINAIS
Nós vamos morar
No mais alto andar
Daquele edifício
Que parece voar

De lá dá pra ver
Um navio que vem vindo
Bombas explodindo em homens
Quase soltos no ar

Em torno ao nosso quarto
Passam helicópteros
E envolvem nossos corpos
Em círculos mortais

A hélice metálica
Risca nosso beijo
E deixa em nossa pele
Peças e sinais

Mas nós não somos bobos
Bomba de hidrogênio
Não vamos permitir
Que a vida acabe assim

Vamos refazer o amor
Um manchão submarino
Bomba H, foguete
Não teremos fim

YPÊ
Contemplo o rio que corre parado
E a dançarina de pedra que evolui
Completamente, sem metas, sentado
Não tenho sido, eu sou, não serei, nem fui
A mente quer ser, mas querendo erra
Pois só sem desejos é que se vive o agora
Vêde o pé do ypê apenasmente flora
Revolucionariamente
Apenso ao pé da serra
Vêde o pé do ypê apenasmente flora
Revolucionariamente
Apenso ao pé da serra

Contemplo o rio que corre parado
E a dançarina de pedra que evolui
Completamente, sem metas, sentado
Não tenho sido, eu sou, não serei, nem fui
A gente quer ter, mas querendo era
Pois só sem desejos é que se vive o agora
Vêde o pé do ypê apenasmente flora
Revolucionariamente
Apenso ao pé da serra
Vêde o pé do ypê apenasmente flora
Revolucionariamente
Apenso ao pé da serra

AGUAPÉ
Capineiro de meu pai
Não me corte os meus cabelos
Minha mãe me penteou
Minha madrasta me enterrou
Pelo figo da figueira que o Passarim beliscou

Companheiro que passas pela estrada
Seguindo
Pelo rumo do sertão
Quando vires
A casa abandonada
Deixe-a em paz dormir
Na solidão

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras no seio ao passar
Vai espantar o bando, o bando buliçoso.
Das mariposas que lá vão pousar

Esta casa não tem lá fora
A casa não tem lá dentro
Três cadeiras de madeira
Uma sala a mesa ao centro

Esta casa não tem lá fora
A casa não tem lá dentro
Três cadeiras de madeira
Uma sala a mesa ao centro

Rio aberto barco solto
Pau d’arco florindo a porta
Sob o qual ainda há pouco
Eu enterrei a filha morta
Sob o qual ainda há pouco
Eu enterrei a filha morta

Aqui os mortos são bons
Pois não atrapalham nada
Pois não comem o pão dos vivos
Nem ocupam lugar na estrada
Pois não comem o pão dos vivos
Nem ocupam lugar na estrada

Nada
A velha sentada o ruído da renda
A menina sentada roendo a merenda

Nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada.
Aqui não acontece nada não
Nada
Nada
Nada
Nada absolutamente nada
E o aguapé lá na lagoa
Sobre a água nada
E deixa a borda da canoa
Perfumada
É a chaminé à toa
De uma fábrica montada
Sob a água que fabrica
Este ar puro da alvorada
Nada, nada, nada, nada, nada, nada
Aqui não acontece nada não
Nada
Nada, nada, nada, nada, nada, nada
Nada absolutamente nada.
* inclui passagem do poema “A Cruz da Estrada”, do poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves  
(1847-1871) *

CUIDAR DO HOMEM
Cuidar do homem
Cuidar do homem

Solução, rima, Raimundo
é chegado o fim de tudo
e o mundo pode acabar

Solução, rima, Raimundo
é chegado o fim de tudo
e o mundo pode acabar

Cuidar do homem
Cuidar do homem

De tanto ver, fiquei cego
surdo de tanto escutar
Ainda me sinto gente
mas não posso respirar

Tem veneno em toda terra
Mil fumaças pelo ar
Não tem pássaro nem bicho
E monte líquido de lixo
Se tornou a água do mar

Não tem pássaro nem bicho
E monte líquido de lixo
Se tornou a água do mar

Cuidar do homem
Cuidar do homem

Pra quem pensava que Hiroshima, meu amor
tinha sido exemplar
Há Bomba N, há de Hidrogênio, há Bomba Atômica
Só quem não tem nenhuma simpatia pela raça humana
pode insistir
num desrespeito tão flagrante ao direito de existir
Talvez, se esses caras tivessem uma bela dama
um amor puro
fizessem fama, sobre a cama, como autores do futuro
Por isso, enquanto esses dementes
tomam por amantes bombas e usinas
eu canto, eu danço, eu fumo, eu bebo, eu como, eu gozo
com essas meninas
E se você vier com essa: que eu sou ingênuo, artista louco
digo: eu concordo. Eu pinto, eu bordo
eu vivo muito e ainda acho pouco
Por isso é sempre novo afirmar
Não faça a guerra. Faça o amor
E viva a vida os seus instintos em poder da flor

Por isso é sempre novo afirmar
Não faça a guerra. Faça o amor
E viva a vida os seus instintos em poder da flor

SEIXO ROLANDO
Tudo o que tenho é meu corpo
Sou o que tenho e te dou

Com um corpo como o teu
Não precisas nem de alma
Sente a minha violência
Como uma essência de calma
Anjos, se houvesse anjos
Claro, seriam como tu
No corpo, rosa dos ventos
Tudo é norte, tudo é sul
Se oriente, se ocidente
Toda cor corre pro azul
Não nada como o nada que é o eu
Indescritível nu

Sou um seixo rolado
Na estrada do lado
De lá do sertão
E ser tão humilhado
É sinal de que o diabo
É que amassa o meu pão
Mas meu corpo é discente
E, civilizada a mente
Gosta, cheira, toca, ouve e vê
E, com amor e anarquia
Goza que enrosca e arrepia
Roquerolando em você
Be-bopeando em você
Calipsando em você
Merenguendo em você
Bluesbusando em você
Um boogie-woogie em você
Tango um bolero em você
Chorando em você

JÓIA DE JADE
Trago guardada num quintal dentro de mim
(horto fechado que o povo chama jardim)
A fina flor do alecrim
Cheirosa dama da noite
Rosa de cheiro sem fim

Flora, abomina - deusa encarnada!
Mostra-me a sina: um v de verão
Jazzmin secreto ao sol glorioso
Um mistério gozoso pro meu coração

A face oculta da lua aparece na água do brejo
Vitória régia: a ausência total de desejo
Jóia de jade de onde a luz vem
Lâmina animal - espelho
Que tudo reflete e que nada retém

A paz da verdade preserva mesmo um bichinho
E faz a vontade da erva e do ovo - do ninho
Que as coisas sejam só o que são
Eis o fausto do amor sem defeito
Sujeito objeto de nula intenção

DEPOIS DAS SEIS
Quando a fábrica apitou e o trabalho terminou
Todo mundo se mandou
Sem desejos de voltar
Como o mar não tá pra peixe
Ai, mulata, não negues teu cabelo
E, aproveitando esta deixa
Vem viver, me comer, vem me dar
Renascer, descansar

O sol posto
Enxuga o suor do meu rosto
Que eu não sou cativo por gosto
Estou vivo e berrando da geral
E a moçada é que faz de fato a festa
Em cidade como esta
Onde ser gente é imoral
Conheço a lua
E não conheço o meu quintal
A culpa é tua
Eu cantei todo esse mal

Eu... a andorinha
Contou que, sozinha
Canta, mas não faz verão
Tem boi na linha
É o mesmo trem, a mesma estação
Resumindo
Até logo, eu vou indo
Que é que estou fazendo aqui?
Quero outro jogo
Que este é fogo de engolir

MUCURIPE
(Belchior, Raimundo Fagner)
As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou mandar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou mandar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo inda era flor

Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingênuo e franco
De um rapaz novo encantado
Com vinte anos de amor

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui
Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui

As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou levar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo inda era flor

Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingênuo e franco
De um rapaz moço encantado
Com vinte anos de amor

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui
Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui

terça-feira, 23 de julho de 2019

BELCHIOR – ERA UMA VEZ UM HOMEM E SEU TEMPO – 1979

BELCHIOR
ERA UMA VEZ UM HOMEM E SEU TEMPO
1979
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
MEDO DE AVIÃO
(Belchior, Gilberto Gil)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Um gole de conhaque, aquele toque em teu cetim
que coisa adolescente, James Dean

Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Não fico mais nervoso, você já não grita
E a aeromoca, sexy, fica mais bonita

Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Agora ficou fácil, todo mundo compreende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand
Agora ficou fácil, todo mundo compreende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand

RETÓRICA SENTIMENTAL
Moro num lugar comum, perto daqui, chamado Brasil
Feito de três raças tristes, folhas verdes de tabaco
e o guaraná guarani
Alegria, namorados, alegria de Ceci
Manequins emocionadas
são touradas de Madrid
que em matéria de palmeira ainda tem o buriti perdido
Símbolo de nossa adolescência
signo de nossa inocência índia, sangue tupi
E por falar no sabiá, o poeta Gonçalves Dias é que sabia
Sabe lá se não queria
uma Europa bananeira
Diga lá, tristes trópicos
sabiá laranjeiras
Aliás, meu camarada, o cantor popular falou divinamente
Deus é uma coisa brasileira, nordestinamente paciente
Oh! blood moon

BRASILEIRAMENTE LINDA
Olha-me:
oh! yes! oh! yes!
brasileiramente linda
oh! yes! oh! yes!
brasileiramente linda.

mente brasileira
mente lindamente brasileira

Envolve-me
oh! yes! oh! yes!

brasileiramente linda
oh! yes! oh! yes!
lindamente brasileira.

Eu não vou querer o amor somente: é tão banal!
Busco a paixão fundamental,
(edípica vulgar)
de inventar meu próprio ser.

Oh! senhora dona cândida,
coberta de ouro e prata!
descubra seu corpo/rosto:
nós queremos ver-lhe a alma.

Antes que algum rouxinol
diga que é dia, é de manhã,
o sol já vem (here comes the sun!)
vem, estrela camponesa,
vênus, nuvem nua, lua nova, anjo fêmea...

e beija-me, oh! yes! oh! yes!
como se eu fosse um homem livre
oh! yes! oh! yes!
como um gesto primitivo
oh! yes! oh! yes!
do amor humano/animal, substantivo...

do amor humano/moreno, brasileiro.
(no Brasil e no estrangeiro)

O maior amor do ano no cinema americano!

PEQUENO PERFIL DE UM CIDADÃO COMUM
(Belchior e Toquinho)
Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Falava de negócios, ria, via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua

Acordava sempre cedo (era um passarinho urbano)
Embarcava no metrô, o nosso metropolitano...
Era um homem de bons modos:
"Com licença; - Foi engano"

Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que caminha para a morte pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que tem no fim da tarde a sensação
Da missão cumprida (Introd.)

Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis
Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis
Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis
Mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo)
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto
Que a terra lhe seja leve

TUDO OUTRA VEZ
Há tempo muito tempo que eu estou longe de casa
E nessas ilhas cheias de distância
O meu blusão de couro se estragou
Ouvi dizer num papo da rapaziada
Que aquele amigo que embarcou comigo
Cheio de esperança e fé, já se mandou

Sentado à beira do caminho pra pedir carona
Tenho falado à mulher companheira
Quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil
E um cara que transava à noite no "Danúbio azul"
Me disse que faz sol na América do Sul
Que nossas irmãs nos esperam no coração do Brasil

Minha rede branca, meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade" como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar

Gente de minha rua, como eu andei distante
Quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Minha normalista linda, ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar

Até parece que foi ontem minha mocidade
Com diploma de sofrer de outra Universidade
Minha fala nordestina, quero esquecer o francês
E vou viver as coisas novas, que também são boas
O amor/humor das praças cheias de pessoas
Agora eu quero tudo, tudo outra vez

Minha rede branca, meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade" como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar

Gente de minha rua, como eu andei distante
Quando eu desapareci, ela arranjou um amante.
Minha normalista linda, ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar

CONHEÇO MEU LUGAR
O que é que pode fazer o homem comum
Neste presente instante senão sangrar?
Tentar inaugurar
A vida comovida
Inteiramente livre e triunfante?

O que é que eu posso fazer
Com a minha juventude
Quando a máxima saúde hoje
É pretender usar a voz?

O que é que eu posso fazer
Um simples cantador das coisas do porão?
Deus fez os cães da rua pra morder vocês
Que sob a luz da lua
Os tratam como gente - é claro! - aos pontapés

Era uma vez um homem e o seu tempo
Botas de sangue nas roupas de lorca
Olho de frente a cara do presente e sei
Que vou ouvir a mesma história porca
Não há motivo para festa: Ora esta!
Eu não sei rir à toa!

Fique você com a mente positiva
Que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)
Pois sou uma pessoa.
Esta é minha canoa: Eu nela embarco.
Eu sou pessoa!
A palavra "pessoa" hoje não soa bem
Pouco me importa!

Não! Você não me impediu de ser feliz!
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!

Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem: Conheço o meu lugar!

COMENTÁRIO A RESPEITO DE JOHN
(Belchior e José Luiz Penna)
Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam de que lado nasce o sol
Por que bate lá meu coração

Sonho e escrevo em letras grandes (de novo)
Pelos muros do país
João, o tempo andou mexendo com a gente sim
John, eu não esqueço (oh no, oh no)
A felicidade é uma arma quente, quente, quente

Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam de que lado nasce o sol
Por que bate lá meu coração

Sob a luz do teu cigarro na cama
Teu rosto-rouge, teu batom me diz
João, o tempo andou mexendo com a gente sim
John, eu não esqueço (oh no, oh no)
A felicidade é uma arma quente, quente, quente

VOZ DA AMÉRICA
El condor passa sobre os Andes
e abre as asas sobre nós.
Na fúria das cidades grandes
eu quero abrir a minha voz.
Cantar, como quem usa a mão
para fazer um pão,
colher alguma espiga;
como quem diz no coração:
- Meu bem, não pense em paz,
que deixa a alma antiga.

Tentar o canto exato e novo,
que a vida que nos deram nos ensina,
pra ser cantado pelo povo,
na América Latina.

Eu quero que a minha voz
saia no rádio, e no alto falante;
que Inês possa me ouvir, posta em sossego a sós,
num quarto de pensão, beijando um estudante.
Quem vem de trabalhar bastante
escute e aprenda logo a usar toda essa dor
quem teve que partir para um país distante
não desespere da aurora, recupere o bom humor.
Ai! Solidão que dói dentro do carro...
Gente de bairro afastado,
onde anda meu amor?
Moça, murmure: Estou apaixonada,
e dance de rosto colado, sem nenhum pudor.

E à noite, quando em minha cama
for deitar minha cabeça,
eu quero ter daquela que me ama
um abraço que eu mereça;
um beijo: o bem do corpo em paz,
que faz com que tudo aconteça;
e o amor que traz a luz do dia
e deixa que o sol apareça
sobre a América,
sobre a América, sobre a América do Sul.

ESPACIAL
Olha para o céu: tira teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Traz o teu sorriso novo espacial
Pra quem fez a estrela artificial

Eu sei que agora a vida deixa de ser vã
Pois há mais luz na avenida
E mais um astro na manhã

Quem volta do seu campo,ao sol poente, vem dizer
Que a estrela é diferente e faz o trigo aparecer
Olha para o céu: tira o teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Não é pra São Jorge, nem pra São João
Pois não é outra lua e não é balão

Quem mora no Oriente não vai se incomodar
Ao ver que no Ocidente a estrela quer passar
Não há mais abandono nem reino de ninguém.
Se a terra já tem dono, no céu ainda não tem
Por isso vem; deixa o cansaço, apressa o passo
E vem correndo pro terraço e abre os braços
Para o espaço que houver
Quem não quiser deixar a terra em que vivemos
Pelos astros onde iremos vai ouvir
Ver e contar tantas estrelas
Quantas forem nossas naves, noutros mares mais suaves
A voar, voar, voar

MEU CORDIAL BRASILEIRO
(Belchior e Toquinho)
Meu cordial brasileiro (um sujeito)
me conta o quanto é contente e quente
...Sorri de dente de fora, no leito,
sulamericanamente.

Senhor não me perdoa
eu não estar numa boa
perder sempre a esportiva,
frente a esta gente indecente,
que come, drome e consete;
que cala, logo está viva.

Também estou vivo, eu sei,
mas porque posso sangrar;...
e mesmo vendo que é escuro,
dizer que o sol vai brilhar
com/contra quem me dá duro,
com o dedo na cara,
me mandando calar.
Menina,
ainda tenho um cigarro, mas eu posso lhe dar.
Menina,
a grama está sempre verde, mas que quero pisar.
Menina,
a Estrela do Norte nem saiu do lugar.
Menina,
asa branca, assum preto, sertão não virou mar.
Menina,
o show já começou, é bom não se atrasar.
Menina,
é proibida a entrada, mas eu quero falar
com/contra quem me dá duro,
com o dedo na cara,
me mandando calar

Que o pecado nativo
é simplesmente estar vivo,
é querer respirar.

MEDO DE AVIÃO II
(Belchior e Gilberto Gil)
Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez a tua mão
Um gole de conhaque, aquele toque em teu cetim
(Que coisa adolescente, James Dean!)

Foi emoção comum: daquela que arrepia a pele
e leva as mãos, há pouco indiferentes
a correr pelas sedas, pelos cílios, pelos belos
pêlos virgens de lâminas e pentes
(Brilham teus grandes lábios e teus dentes!)

Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez a tua mão
Não fico mais nervoso e você já não grita
(E a aeromoça, sexy, fica mais bonita!)

Não foi a força bruta da beleza
Nem o vigor cruel da mocidade
E sim dois animais em paz com a natureza
E sim dois corpos
Objetos Sensuais contra a lei da gravidade
(Nós nem pensamos na felicidade!)
(Nós nem pensamos na felicidade!)

Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez na tua mão
Agora ficou fácil, todo mundo entende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand!

Foi por medo de avião
(I wanna hold your hand)
Que coisa adolescente, James Dean
(I wanna hold your hand)  



“FELIZ ANIVERSÁRIO!!!” e “MUTIAS FARRAS NA VIDA!!!” para os meus bons amigos ERIC COELHO PEREIRA e MARICELI VASCONCELOS DA SILVA!!!

domingo, 21 de julho de 2019

QUESTÃO IMPORTANTE DO BUDISMO

Havia seis pequenos jizō debaixo da ponte
Veio o senhor Rato e comeu suas cabeças
Então o rato é o verdadeiro jizō.
Seis pequenos ratos foram pegos pelo senhor Gato
Então o senhor gato é o verdadeiro jizō.
Seis pequenos gatos foram pegos pelo senhor Cão
Então o senhor cão é o verdadeiro jizō.
Seis pequenos cães foram pegos pelo senhor Lobo
Então o senhor lobo é o verdadeiro jizō.
Seis pequenos lobos foram mortos pelas chamas
Fogo, fogo,
Então o Fogo é o verdadeiro jizō.
Seis pequenas labaredas
Foram apagadas pela Água
Água, água
A água é o verdadeiro jizō.
Seis pequenas porções de água
Foram bebidas por um Homem
Homem, homem
O homem é o verdadeiro jizō.
Se o homem é o jizō
Por que reza para os jizō?


:: questão presente no capítulo XXXII de Lobo Solitário, chamada Kanjô-Satsujin, presente no volume 06, chamado A Lanterna das Almas, publicado em pela editora Panini em fevereiro de 2005. roteiro de Kazuo Koike e arte de Goseki Kojima. ::

sábado, 20 de julho de 2019

poema sem título escrito no mesmo dia que “Teu Corpo, Sobre Teu Corpo”

[¡sem título!]
onde tu suada, suada...?
vestindo nada, nada
além, nada além de nada...?
onde tu suada e vestindo
nada além de nada
com os pés na praia
mais exatamente dentro d’água...?
que é onde tu querias estar agora
e não enfurnada
em um escritório.

:: 15 de julho de 2019 ::











“FELIZ ANIVERSÁRIO!!!”“MUITAS FARRAS DE VIDA” para minhas excelentíssimas e caríssimas amigas NAIR DAIANE DE SOUSA SAUAIA e NISREENE ABOU MATAR!!! 

terça-feira, 16 de julho de 2019

TEU CORPO, SOBRE TEU CORPO – poema

TEU CORPO, SOBRE TEU CORPO

as sombras sobre Teu corpo
despido em uma cama sem lençol
em um quarto quase escuro
e o céu branco prestes a chover
formam outro corpo.
as palavras que uso para escrever
sobre Teu corpo
em versos de handouts não-utilizados
ou de fotocópias que não funcionaram
ou de impressões que não saíram
como deveriam,
a lápis ou a esferográficas
formam um corpo
inteiramente novo.
quando Tu Lês o que escrevo
sobre Teu corpo
e me vês como eu Te vejo
também se faz
um outro corpo.
mas quando Teu corpo
o original,
ao meu?
não necessário todo
só as mãos às minhas
e testas coladas
sem a necessidade de
beijos.

:: 15 de julho de 2019 ::

segunda-feira, 15 de julho de 2019

OS QUE AMARAM ANTES - poema


OS QUE AMARAM ANTES

:: Paulo Franchetti ::

Os que amaram antes
e os que ainda vão amar;
os que andaram nas ruas
e os que cruzaram os campos;
aqueles que tiveram a sorte
e aqueles que apenas desejaram;
os que ouviram as palavras
e os que não as disseram;
os que já morreram
e os que estão por nascer:
com todos me irmano
neste momento, repleto
e vazio de mim mesmo.
A todos estendo o pensamento,
e em segredo convoco:
eu, que não sou nada, apenas
aquele que o amor agora habita
e agita e faz falar.

IN: FRANCHETTI, Paulo. Deste Lugar. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2012.   

domingo, 14 de julho de 2019

DOC FRANKENSTEIN – análise da HQ

ouvindo randomicamente todos os álbuns da Cátia de França [ver capas abaixo na ordem de lançamento]
20 Palavras ao redor do Sol (1979)
Estilhaços (1980)
Feliz Demais (1986)
Avatar (1996)
Hóspede da Natureza (2016)

pois sim. tem uma HQ altamente doente mental que eu ‘tava querendo ler uns tempos ai mas os links sempre ‘tavam quebrados e eu ‘tava cuma preguiça da porra de ler no original em inglês. ai que achei o scan esses dias, baixei logo e li na mesma noite quando deveria estar escrevendo a porra da dissertação pra ver qual era o papo dessa porra.
são seis edições mas vou logo dar o papo nessa porra que era pra ser mais mas ficou na última mesmo. tem que ter uma paciência da porra pra chegar ao último volume porque é tudo muito jogado e muita coisa não parece fazer muito sentido se tu não tiveres uma grande experiência com leitura de gente como Garth Ennis, Grant Morrison, esse bando de filha da puta que junta tudo na mesma panela, tu te perdes e acaba deixando a leitura.
QUAL
É
O
PAPO
DA
HISTÓRIA?!?
o que tu tens que esperar de uma história em seis partes, escrita pelos até então Irmãos Wachowski (atualmente Lilly [nascida Andrew Paul “Andy”] e Lana [nascida Laurence “Larry”]), a partir de um conceito criado por Geof Darrow, Steve Skroce (e desenhada por este último), com arte-final de Jason Keith publicada por uma tal de Burlyman entre 2004 e 2007?!?
Irmãos Wachowski ANTES
AGORA Irmãs Wachowski

isso mesmo, isso mesmo mesmo, uma história altamente aleijada mental que deixaria o Antônio Francisco Lisboa, a.k.a. Aleijadinho (1730/1738 os historiadores não entram em consenso-1814), muitíssimo orgulhoso de tão aleijada mental que é.
Mary Wollstonecraft Shelley, sua linda! EU TE VENERO!
segue o final da obra canônica de Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851), Frankenstein ou o Prometeus Moderno:
“[...] interrompeu a criatura. — 
Todavia essa deve ser a impressão que lhe causaram as minhas ações. Não pense que eu busco um sentimento amigo. Nem pense que eu espere encontrar simpatia. No início, o que eu queria era participar dos sentimentos de amor, de virtude, de felicidade e de afeição, de modo que todo o meu ser estava inundado
mulam qualquer boa impressão a meu respeito. Mas não procuro quem compartilhe de meu infortúnio. Sei que jamais poderei encontrar piedade. Quando pela primeira vez a busquei, era dos meus sentimentos de solidariedade, dos meus anseios de afeto e compreensão, da minha inclinação para o bem que eu esperava que alguém compartilhasse. Mas agora que a virtude se tornou para mim uma sombra, e a felicidade e o afeto se converteram no mais penoso e abominável desespero, onde buscar e de quem esperar simpatia? Contento-me em sofrer sozinho. Sei que, quando morrer, a abominação e o opróbrio pesarão sobre minha memória. Outrora alimentei esperanças de encontrar seres que, perdoando minha forma exterior, me amariam pelas qualidades morais que eu pudesse contrapor a ela. Acalentei-me de elevados pensamentos de honra e devoção. Mas agora o crime me degradou à condição do animal mais vil. Quando relembro a cadeia das minhas iniqüidades, não posso crer que sou a mesma criatura cujos pensamentos eram antes repletos de sublimidade e de visões do bem. Mas é justamente assim. O anjo decaído torna-se demônio. Entretanto, mesmo aquele inimigo de Deus e do homem tinha amigos e seguidores. Eu sou sozinho.
‘Você, que chama a Frankenstein seu amigo’, prosseguiu o monstro, ‘parece ter conhecimento de meus crimes e infortúnios. Mas às particularidades que lhe forneceu sobre eles não lhe seria possível somar as horas de desalento que padeci. Da mesma forma, jamais encontrei da parte de quem quer que fosse um mínimo de complacência. É justo isso? Devo ser tido como o único criminoso quando todo o gênero humano também errou contra mim? Por que você não odeia Félix, que expulsou seu amigo de sua porta? Por que não condena o camponês que tentou destruir o salvador de sua filha?
‘Diante de tanta incompreensão e injustiça, tangido pela revolta, assassinei criaturas inocentes, que nem mesmo sabiam da minha existência. Lancei meu criador, digno, em todos os sentidos, do amor e admiração dos homens, aos meandros da mais completa desgraça. Aqui está ele, na brancura e frieza da morte. Por mais execrado que eu seja, nada iguala o desprezo que sinto por mim mesmo.
‘Mas não receie que eu ainda venha a ser instrumento de futuros males. Minha obra está quase terminada, mas estará definitivamente consumada com o meu próprio extermínio. Não demorarei a executar esse sacrifício ou, antes, esse resgate. Deixarei seu navio na jangada que me trouxe até aqui e buscarei o ponto mais extremo do globo. Erguerei uma pira e consumirei até as cinzas este arcabouço miserável, de modo a que não possa restar de seus despojos o mínimo indício da minha imagem que possa orientar algum outro desavisado na tentativa de percorrer a senda maldita do meu criador, procurando refazer a sua obra,
‘Adeus! Deixo-o, e com você o último ser da espécie humana a quem estes olhos jamais contemplarão. Adeus, Frankenstein! Tu buscaste minha extinção para que eu não pudesse repetir minhas atrocidades. Morto tu, cumprirei agora o teu desígnio. Acenderei minha pira funerária em triunfo e exultarei na agonia das chamas. Minhas cinzas serão varridas pelos ventos e lançadas no mar. Meu espírito partirá para a paz ou o degredo da eternidade. Adeus!’ 

Assim falando ele pulou pela janela do camarote para o bloco de gelo que estava perto do navio. Pouco depois era impelido pelas ondas e se perdia nas trevas e na distância.”
[tradução de Miécio Araújo Jorge Honkis, versão do Círculo do Livro] 

o começo de Doc Frankenstein é onde a obra de Frau Wollstonecraft termina

AH SIM!
quando terminar de upar as letras dos álbuns do Belchior (QUANDO!), vou upar as da cantora e compositora e musicista e arranjadora e professora pessoense (i.e., natural de João Pessoa, capital da Paraíba) Catarina Maria de França Carneiro, a.k.a. CÁTIA DE FRANÇA, que manda muitíssimo bem em letras e músicas, e versões musicadas de textos de graúdos como José Lins do Rego, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e o container sem guindaste supremo da literatura brasileira imediatamente depois do Machado de Assis Guimarães Rosa
cantoras da MPB que fizeram seus nomes sem escrever uma linha do que cantavam? não me façam rir, seus desgraças procurem ouvir os álbuns da Cátia de França, porque A MULHER É FODA!!!

quarta-feira, 10 de julho de 2019

BELCHIOR - TODOS OS SENTIDOS - 1978

BELCHIOR
TODOS OS SENTIDOS
1978
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
DIVINA COMÉDIA HUMANA
Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim como um Sol num quintal
Aí um analista amigo meu disse que desse jeito
Não vou ser feliz direito
Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual
Aí um analista amigo meu disse que desse jeito
Não vou viver satisfeito
Porque o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual

Deixando a profundidade de lado
Eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia
Fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia
Deixando a profundidade de lado
Eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia
Fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia

Quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana onde nada é eterno
Quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana onde nada é eterno

Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
E eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto
Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
E eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto

SENSUAL
(Belchior, Tuca)
Quando eu cantar
quero ficar molhado de suor.
E por favor não vá pensar
que é só a luz do refletor.

Será minha alma que sua
sob um sol negro de dor;
outro corpo, a pele nua,
carne, músculo e suor.

Como um cão que uiva pra lua
contra seu dono e feitor;
uma fera-animal ferido
no dia do caçador;
humaníssimo gemido
raro e comum como o amor.

Quando eu cantar
quero lhe deixar
molhada de amor
E por favor não vá pensar
que é só a noite ou o calor.

Quero ver você ser
inteiramente tocada
pelo licor da saliva,
a língua, o beijo, a palavra.

Minha voz quer ser um dedo
na tua chaga sagrada.
Uma frase feita de espinho,
espora em teus membros cansados:
sensual como o espírito
ou como o verbo encarnado.

BRINCANDO COM A VIDA
Eu escolhi a vida como minha namorada,
com quem vou brincar de amor a noite inteira.

Eu estou sempre em perigo
e a minha vida sempre está por um triz.
Se vejo correr uma estrela no céu, eu digo:
- Deus te guie, zelação. Amanhã vou ser feliz.
É caminhando que se faz o caminho.
(Quem dera a juventude a vida inteira.)
Eu escolhi a vida como minha namorada,
com quem vou brincar de amor a noite inteira.
Vida, eu quero me queimar no teu fogo sincero.
(Espero que a aurora chegue logo.)
Vida, eu não aceito, não! A tua paz,
porque meu coração é delinquente juvenil
suicida sensível demais.
Vida, minha adolescente companheira,
a vertigem, o abismo, me atrai:
é esta a minha brincadeira.

Eu estou sempre em perigo:
o dia D, a hora H, a corda bamba,
o bang, o clic do gatilho...
Vida, agora eu te conheço.
(Calma! A tudo eu prefiro a minha alma.
E quero que isto seja o meu brilho.)
Vida agora eu te conheço.
(Calma! A tudo eu prefiro a minha alma.
E quero que isto seja o meu brilho
e o meu preço.)

CORPOS TERRESTRES
Osculetur me oscule oris suis
Ideo adolescentulae dilexerunt te
Nigra sum sent formosa
(but tomorrow is another day anyway)
Nolite me considerare quod fusca sim
Quia decoloravit me sol
it's alright, ma! (i'm only bleeding)
Here comes the sun
Indica mihi quem, dirigit anima mea
Ube pascas, ube cubes in meridie
(come with me and be my love)
Ego dilecto meo, et dilectos meus mihi
(i've got you under my skin... oh! really?)

Ego flos campi
Et lilium convallium

Veni, dilecte mi egrediamur in agrum
Commoremur in villis
Ibi dabo tibi ubera mea

Quam pulchra es, amica mea, quam pulchra es!
Umbilicus tuus crater tornalitis
Numquam indigens poculis
Venter tuus sicut acervus tritici
Vallatus liliis
Duo ubera tua sicut duo hinnuli
Gemelli capreae
(absque occultis tuis!)
Apori mihi, 'soror mea, amica mea
Columba mea, immaculata mea

Dilectus meus misit manum sua per foramen
Et venter meus intremuit ad tactum eius

Qui faciemus sorori nostrae
In die quando alloquenda est?
Sub arbore malo suscitavi te
Ibi corrupta est mater tua
Ibi violata est genitrix tua

Pone me ut signaculum super cor tuum
Ut signaculum super brachium tuum
Que fortis est ut mors dilectio

HUMANO HUM
(Lavrar a palavra a pá
como quem prepara um pão.)

Quando o mar virar sertão
nossa palavra será
tão humana como o pão.

E o canto que soar um palavrão
se mostrará como é:
anjo de espada na mão.

COMO SE FOSSE PECADO
É claro que eu quero o clarão da lua
É claro que eu quero o branco no preto
Preciso, precisamos da verdade nua e crua
Mas não vou remendar nosso soneto
(Batuco um canto concreto pra balançar o coreto)
Por enquanto o nosso canto é entre quatro paredes
Como se fosse pecado, como se fosse mortal

(Segredo humano pro fundo das redes
Tecendo a hora em que a aurora for geral)
Por enquanto estou crucificado e varado
Pela lança que não cansa de ferir
Mas neste bar no Oeste Nordeste Sul, falo cifrado:
"Hello, bandidos! (Bang!) É hora de fugir!"

Mas quando o canto for tão natural como o ato de amar
Como andar, respirar, dar a vez à voz dos sentidos
Virgem Maria, dama do meu cabaré
Quero gozar toda a noite sobre tus pechos dormidos
Romã, romã quem dançar, quem deixar a mocidade louca
Mas daquela loucura que aventura, a estrada
E a estrela do amanhã e aquela felicidade - arma quente
(Quem haverá que agüente tanta nudez sem perder a saúde?)
A palavra era um dom, era bom, era conosco... Era uma vez
Felicidade - arma quente (Com coisa quente é que eu brinco:
Take it easy, my brother Charles, Anjo 45)...
Tá qualquer coisa meu irmão
Mas use o berro e o coração
Que a vida vem no fim do mês.

BEL-PRAZER
Libertar a carne e o espírito
Coração, cabeça e estômago;
Libertar a carne e o espírito
Coração, cabeça e estômago;

O verbo, o ventre, o pé, o sexo, o cérebro:
Tudo o que pode ser e ainda não é.
O verbo, o ventre, o pé, o sexo, o cérebro:
Tudo o que pode ser e ainda não é.

Teu corpo é meu coro, oh! Irene.
E eu quero é ir, irene preta, ao bom humor.
Só o homem feito, o homem forte,
Não tem peito pra chorar,

En la vereda tropical
Hay cana e canela e crecen las palmas
Y yo soy un hombre sincero
Quero um ombro pra abraçar.

En la vereda tropical
Hay cana e canela e crecen las palmas
Y yo soy un hombre sincero
Quero um ombro pra abraçar.

Achar ou inventar um lugar,
Tão humano como o corpo,
Onde pensar e gozar,
Seja livre e tão legal:

Como razões de estado
Ou como fazer justiça;
Como palavras num muro
Ou escrever num jornal;

Entrar ou sair da escola,
Mulher-homem, homem-mulher;
Como luar no sertão,
Como lua artificial,

Como roupas comuns,
Como bandeiras agitadas.
Festival estranho: festa,
Feriado nacional

Como roupas comuns,
Como bandeiras agitadas.
Festival estranho: festa,
Feriado nacional

NA HORA DO ALMOÇO
No centro da sala
Diante da mesa
No fundo do prato
comida e tristeza

A gente se olha
se toca e se cala
E se desentende
No instante em que fala

Cada um guarda mais o seu segredo
A sua mão fechada a sua boca aberta
Seu peito deserto a sua mão parada
Lacrada selada molhada de medo

Pai na cabeceira é hora do almoço
Minha mão me chama é hora do almoço
Minha irmã mais nova negra cabeleira
Minha vó reclama é hora do almoço

Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza
Deixemos de coisa cuidemos da vida
Se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida
Ou coisa parecida ou coisa aparecida ou coisa aparecida

TER OU NÃO TER
Quando eu vim para a cidade, eu ganhava a minha vida,
ave-pássaro cantando na noite do cabaré.
E era mais pobre do que eu a mulher com quem dividia,
dia e noite, sol e cama, cobertor, quarto e café.

O Nordeste é muito longe. Eh! saudade. A cidade é sempre violenta.
Pra quem não tem pra onde ir, a noite nunca tem fim.
O meu canto tinha um dono e esse dono do meu canto
pra me explorar, me queria sempre bêbado de gim.

O patrão do meu trabalho era um tipo de mãos apressadas
em roubar, derramar sangue de quem é fraco, inocente.
Tirava o pão das mulheres - suor de abraços noturnos,
confiante que o dinheiro vence infalivelmente.

Ele ganhava as meninas com seu jeito de bonito:
a roupa novinha em folha, cravo vermelho na mão,
charuto aceso na boca e bolsa cheia de promessas
de que um dia entregaria a qualquer uma o coração.

Mas noite é vida e vida é jogo e jogo é sorte e sorte é vária;
coisa muito complicada: o amigo tem ou não tem.
Quem não tem sucesso ou grana tem que ter sorte bastante,
para escapar salvo e são das balas de quem lhe quer bem.

Por isso eu fui Navalha, falei com Papel de Seda,
malandros amigos meus, que tinham vindo há mais tempo
Deles aprendi a arte de conviver com o perigo,
de respeitar sem temer qualquer espécie de gente.

Contei tudo. Eles iriam ver meu show na meia noite...
Falava a palavra AMOR, a letra da minha canção.
... O tipo, sentado à mesa, rugia e amassava o cravo.
Sangue: um golpe na garganta e um tiro no coração.

Eu não quero falar nada; eu quero é completar meu canto
pois sei que o show continua, que continua o viver.
Mas é bom tomar cuidado com quem entende o riscado:
To be or not to be quer dizer: ter ou não ter.

ATÉ AMANHÃ
Até amanhã,
se o homem quiser – mesmo se chover
Volto pra viver mulher.

Até à manhã,
se houver amanhã. – se eu vir a manhã
mando alguém dizer como é.

ACORDA AMOR
o sono acabou Maria Bonita
vem fazer o café.
O homem comum inda nem levantou,
mas a polícia já está de pé.