MEDOS QUE SÓ OS MOLEQUES TÊM
quando eu era moleque, eu tinha medo de não ter mais amigos
agora vinte anos depois, já tenho os e as que preciso e não
preciso de mais.
há vinte anos eu tinha medo de ficar apaixonado e nunca ser correspondido
hoje tenho medo de não retribuir suficientemente à altura
o gostar de mim.
eu tinha medo de ficar sempre escuro, de não amanhecer no outro dia
eu ainda amo ver amanhecer mas muita claridade agora me incomoda.
medo de moleque é morrer antes de completar os sonhos
sonhos que só os moleques têm
medo de homem adulto com alma de moleque é não sonhar mais.
medos que só os moleques têm é falhar na hora de transar
mesmo medo que homem barbudo tem mas não diz em voz
igual qualquer moleque tem.
eu só tenho medo de não poder dizer mais que tenho medo
medo de chorar na frente dos outros não é medo
medo é de não conseguir mais chorar
medo de não ter mais por quem chorar, pelo quê chorar
então pra quê chorar?
atualmente quem quiser ficar, fica e quem quiser ir, vai
que não vou impedir
porque não tenho mais medo de ficar sozinho
só de ficar com gente que não acrescente e seja peso morto:
por acreditar não acrescentar e sendo peso morto
eu ando simplesmente me afastando, partindo sem me despedir
porque, se eu me despedir, eu paro e penso e acabo não indo e
ficando pior depois.
se eu não acreditasse que ficarão melhor sem mim, eu não iria
e já tive medo demais de não ser um amigo bom o suficiente a ponto de
isso destruir o meu coração e eu ficar sem chão.
quando muleque eu queria todas minhas perguntas respondidas
atualmente nem todas as perguntas valem à pena.
e seria melhor não ter sabido muitas das respostas que tenho hoje pra
como esse mundo – não acaba antes de mim, mundão – funciona.
um medo que perdura, perenemente dura e permanece
é o de escrever e não conseguir alguém a também o fazer
e também por não aguentar a realidade em que vive e as
sobrepostas umas às outras.
há vinte anos, quando eu tinha dezesseis anos,
eu não tinha medo do que iam dizer
ainda hoje não tenho medo, mas tenho medo de
ter medo de não começar e medo de começar e não terminar.
há vinte anos
quando eu tinha dezesseis anos
eu falava “eu te amo”
com a mesma facilidade de quem caga, bate punheta ou siririca.
passados vinte anos
não tenho mais dezesseis e sim trinta e seis anos
e hoje tenho medo de não
poder dizer “eu te amo, tu és especial pra mim”
pra quem eu amo e considero especial
e já fez diferença significativa positiva um dia na minha vida.
enquanto amanhecer, me lembra que tenho que dizer
antes que não haja amanhecer seguinte.
meu medo é que não haja amanheceres suficientes para dizer
para dizer...
:: 28 de outubro de 2019 ::
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