ouvindo: Neil Young, Dead Man, de 1996.
“Take my hand I’m a stranger in paradise
All lost in a wonderland
A stranger in paradise
My eyes are shining?
If I stand starry eyed there’s a danger in paradise
For mortals who stand beside an angel like you
I saw your face ascending
Out of the common place and into the rare
Now somewhere out in space I hang suspended
Until I'm certain that there’s a chance that you care
Won’t you answer this fervent prayer
Of a stranger in paradise?
Don't send me in dark despair
From all that I hunger for
But open your angel's arms
To this stranger in paradise
And tell him that he need be
A stranger no more”
– Sarah Brightman, “Stranger In Paradise”[1]
primeira, primeira, primeira vez que tive acesso ao termo Estranhos no Paraíso foi quando li uma crítica do filme Dead Man: Homem Morto[2] na finada e saudosa revista Set, da editora Abril, que, por muitíssimo tempo, foi a única revista de divulgação de cinema no Brasil, ainda que fosse extremamente elitista e excludente, mesmo que tentasse pegar tudo o que fosse produzido de relevante no Brasil e no mundo, a exemplo da igualmente – senão mais, muito mais – finada e saudosa revista Bizz (depois ShowBizz), da mesma casa. me corrigindo, destes periódicos da Abril que saíram na década de 1980, só se mantém até hoje – e com um mínimo de relevância – a SuperInteressante[3], que já falei muito, muitíssimo por aqui.
revista Set, da editora Abril, publicada no Brasil entre junho de 1987 e novembro de 2010
revista [Show]Bizz, da editora Abril, publicada no Brasil entre agosto de 1985 e julho de 2007
revista SuperInteressante, da editora Abril, publicada no Brasil desde setembro de 1987
nesta mesma resenha de meia página de Dead Man, eu li, pela primeira vez, os nomes Neil Young e Jim Jarmusch. o primeiro, responsável pela trilha sonora da obra[4]. o segundo, diretor e roteirista da mesma. cito primeiro o primeiro pela sua inquestionável relevância na minha vida desde que ouvi toda sua discografia, no primeiro semestre da graduação[5]. cito segundo o segundo porque........................ eu só lia et ouvia críticas extremamente positivas das obras do cara e........................
tem uma HQ que eu amodoro para um caralho chamada ESTRANHOS NO PARAÍSO, escrita e desenhada pelo estadunidense Terry Moore entre 1993 e 2007, pela qual eu declarei todo meu amor e admiração NESTE POST AQUI. e como falei neste mesmíssimo texto, Estranhos no Paraíso é “junto com Bone e Hellboy, dos também estadunidenses Jeff Smith e Mike Mignola, é uma das melhores coisas da década de 1990, considerada a década perdida dos quadrinhos norte-americanos” (Quilômetros-a-Pé, 2009[6]). ademais, como falei NESTE POST AQUI, eu gosto de pensar que Retalhos, do Craig Thompson, “é o Estranhos no Paraíso do século XXI” (idem, 2010)
Estranhos no Paraíso, roteiro e arte de Terry Moore. Estados Unidos: Abstract, 1993 e 2007. saiu em brasileiro completa pela Devir um tempo desses ai década passada creio que ainda devem ter em estoque.
Bone, roteiro e arte de Jeff Smith. Estados Unidos: Image, 1994 a 2007. a editora Todavia publicou tudo em brasileiro em 2019, com tradução de Érico Assis.
Hellboy, roteiro de Mike Mignola e arte de inúmeros artistas. Estados Unidos: Dark Horse, 1993 até hoje. o que tem publicado em brasileiro saiu pela Mythos.
Retalhos, roteiro e arte de Craig Thompson. Estados Unidos: Top Shelf, 2003. saiu em brasileiro pela Quadrinhos e Cia em 2009, também com tradução de Érico Assis.
não é segredo pra ninguém que frequenta estas pairagens que eu penso de forma totalmente randômica. proseando com um chegado meu, também igualmente aleijado mental, ele me mostrou um vídeo sobre filmes com nomes de quadrinhos que não são baseados nos quadrinhos em questão e o primeiríssimo da lista foi fucking justamente Estranhos no Paraíso[6] e o quanto os dois textos são extremamente idiossincráticos. nicht so fucking viel nem tanto assim, por terem protagonistas de ascendência europeu-oriental, mas vou explicar isso mais lá pra frente.
Estranhos no Paraíso, direção de Jim Jarmusch e roteiro de Jim Jarmusch e John Lurie. Alemanha e Estados Unidos: Cinesthesia Productions Inc e Samuel Goldwyn Company, 1982.
então que acabei procurando pra baixar Estranhos no Paraíso justamente porque não sacava caralhos nenhuns de Herr Jarmusch e porque, inclusive, filmes em preto e branco, por motivos que desconheço, me interessam bastante. a obra, germano-estadunidense, inclusive, foi lançada no Brasil no fatídico ano georgeorwelliano (entendedores entenderão) e é algo que vai te tirar totalmente da zona de conforto se não tiveres familiaridade alguma com filme preto e branco, com filme lento e com filme sem muita trilha sonora. Estranhos no Paraíso meio que TAMBÉM vai te tirar da zona de conforto se não tiveres familiaridade alguma com filme preto e branco, com filme lento e com filme sem muita trilha sonora.
os dois textos – homônimos somente no Brasil[8] – são “iguais” por girarem ao redor de somente um núcleo de personagens. o ponto de convergência entre os dois é uma das protagonistas da HQ, Katina “Katchoo” Choovanski, ser de ascendência europeu-oriental e dois dos três protagonistas do filme (Bela “Willie Wonka” Lugosi [interpretado por John Lurie] e Eva [interpretada por Eszter Balint]) – e mais uma coadjuvante (tia Lotte [interpretada por Cecillia Stark]) – serem de origem húngara.
pra quem não sabe, a Hungria é um enclave no meio da Europa, entre a Europa ocidental e a Europa oriental; sua capital é Budapeste; e o húngaro é o idioma não-pertencente ao tronco linguístico do indo-europeu mais falado no continente suas bases econômicas estão direcionadas à transição a uma economia de mercado regulamentada pela União Europeia, um dos conglomerados que a Hungria faz parte, além da OTAN dispensa apresentações, OCDE[9], Grupo de Visegrád[10] e Espaço Schengen[11]. fronteiras da Hungria: Eslováquia, ao norte; Romênia, ao leste; Sérvia ao sul; Croácia, a sudoeste; Eslovênia, a oeste; Áustria, a noroeste; e Ucrânia, a nordeste. pra vergonha da minha barba e dos meus cabelos vermelhos, não conheço porra nenhuma de literatura, cinema e quadrinhos made in Hungria.
de bandas punk de lá, eu conheço só o CPg, o C.A.F.B., o Kretens e o QSS.
Hungria, bandeira e localização
CPg
C.A.F.B.
Kretens
QSS
VOLTANDO: PRA MIM, Lotte foi uma dos muitíssimos húngaros que migraram aos EUA e apesar de não querer falar, na maioria do tempo, em estadunidensês[12], se habituou aos hábitos locais. é algo bastantíssimo comum entre os europeus que foram para a América (o continente americano como um todo) e tem mais obra com personagem assim do que estrelas mortas brilhando no céu.
Bela “Willie Wonka” Lugosi, pelo que entendi, ou é imigrante que veio novinho, novinho ¿nessa época já existiam Marias Mucilon? da Hungria ou foi criado pelos parentes imigrantes em uma comunidade de imigrantes e se mandou pra ser estadunidense assim que pôde, se desvinculando de tudo o que o tornava europeu/húngaro – talvez judeu também, vai saber. não coincidentemente, TAMBÉM é algo bastantíssimo comum tanto entre os europeus que foram para a América (o continente americano como um todo) como os descendentes de europeus que foram para a América e tem mais obra com personagem assim do que estrelas mortas brilhando no céu. Bela mora em Nova York, em um apartamento barato e com o mínimo possível, junto com Eddie van Halen (interpretado por Richard Edson), vive de trapaças em jogos e tal qual Bukowski, tal qual Lovelace[13], é um viciado em apostas em corridas de cavalos.
Eva é, mais uma, húngara, que, tal qual outros inúmeras húngaras antes e depois, vai recomeçar a vida, fazer uma vida nova nos EUA. nenhum personagem novo, inclusive este círculo húngaro, inclusive, pode ser comparado, também, a um monte de obras de asiáticos que foram aos EUA ou de asiáticos a países que foram a outros países asiáticos. Eva vai ter que ficar no apartamento de Willie enquanto Lotte tem que se submeter a um tratamento médico de última hora. quando eles já estão criando certa afeição um pelo outro, em decorrência da convivência forçada (e das investidas contínuas de Eddie à moçoila), Eva tem que ir à cidade de Cleveland, capital do estado de Ohio, para onde iria originalmente.
eu gostei dessa inversão, capital econômico-cultural → outra cidade, pois geralmente é cidade qualquer → capital econômico-cultural, que – olha só – “não é raro, mas acontece muito” no cinema brasileiro. o primeiro ato dos três, O Novo Mundo, é baseado em apresentar o microverso habitado por Willie e Eddie, no qual Eva é inserida.
já Um Ano Depois, o segundo ato, tem início com uma jogatina que não saiu como esperada, Willie e Eddie tiram das respectivas bundas a “jeneau” ideia de irem visitar Eva em Cleveland. ai que se dá-se uma comédia de erros, pois Lotte os trata como os párias da sociedade que são (pra não dizer “ela os trata como os lixos que eles dois são”, porque, no fim, eles e eu somos “areia da mesma jazida, mas não passamos em peneira de mesma malha”[14]), eles ferram o quase namoro que Eva teria com Billy (interpretado por Danny Rosen) e ainda levam o sarrafo de Lotte no jogo de cartas (é pra se questionar mesmo de onde Bela aprendera a jogar do jeito que joga, né, não?).
após se despedirem de Eva, após passearem por uma região de Cleveland que eu amaria morar – gelo e chuva pra todo lado que se veja – para voltarem para o buraco de onde moram no Brooklyn, Willie e Eddie (que mais parecem um Pinky e Cérebro, mas sem as partes engraçadas) tiram não somente outra jeneaulíssima ideia, mas duas jeneaulíssimas ideias: a primeira foi irem à Flórida e a segunda foi levarem a Eva. claro que a Lotte fica full putaça dazideia de ser deixada sozinha novamente. claro que a Eva acha o máximo, porque os EUA não deveriam ser o que ela ‘tava esperando[15]. in Westen nicht neues.
a jeneaulíssima ideia de irem à Flórida dá pontapé de começo de jogo à Paraíso, derradeiro ato de Estranhos no Paraíso. sendo Willie e Eddie os cretinos que são, não é de se estranhar que o trem não dá bom. primeiro que viciado em qualquer merda que for é traço inconteste que vai dar merda. com Willie e Eddie não é diferente, pois não suficiente terem colocado Eva como clandestina no hotel de beira de estrada, já que só poderiam ficar duas pessoas por quarto, ainda tiveram o disparate de ir procurar seu santo bagulho de cada dia: jogos e apostas.
o Pinky só faz merda, né, não? todo mundo não concorda que Pinky só faz merda? com o Eddie não é diferente não – mas, ao contrário de sua contraparte animada criada na década seguinte, em 1993, Eddie não salva a pátria no final do episódio. o Pink... Eddie tem a jeneaulíssima ideia de irem apostar em CACHORROS ao invés de cavalos e os pés-rapados do West Side perdem quase todos os 555 dólares[16] que levaram pra gastar em Cleveland. NÃO SATISFEITOS, vão ao hipódromo mais próximo e conseguem recuperar parte da grana.
no ínterim, Eva é impedida novamente de ir e vai dar uma volta, na qual, admirando a praia é abordada por um tipo extremamente estranho, que lhe entrega um grande valor em dinheiro. em uma situação completada enrolada, ela volta pro motel, Bela vai para Budapeste e Eddie volta para o Brooklyn, vendo o avião levantar voos. o filme termina.
¿o que podemos aprender com Estranhos no Paraíso?
– viciado é uma praga, não importa o local, a data e o idioma.
– parente é uma praga, não importa o local, a data e o idioma.
– Arte não é algo pra se criar expectativas durante o consumo.
– tradução/adaptação de título de filme no Brasil sempre foi uma coisa de louco. o título original desse filme é Stranger THAN Fiction Paradise[17], que ficaria, como uma escolha mais óbvia, “Mais Estranho do que o Paraíso”. é, não vou dizer que não foi uma boa escolha... NÃO POSSO dizer que não foi uma boa escolha. há toda uma teorética da adaptação linguístico-textual sobre isso, toda essa merda não vem ao caso agora.
¿eu recomendaria Estranhos no Paraíso?
sim, porque foi algo realmente novo pra mim e que eu fiquei “olha só, compensa bastante”, são noventa minutos muito bem aproveitados. mas eu não comecei a ver filme “assim” ontem e tenho muitão apreço com “filme com gente ‘real’ se fudendo”. MAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAS.......... tem gente que não começou a ver filme ontem e pode não gostar de ver filme “assim”. tem gente que começou a ver filme “ontem” e pode gostar de ver filme “assim”. tem gente que começou a ver filme “ontem” e pode não gostar de ver filme “assim”. recomendo ver pra ter uma perspectiva maior e melhor sobre cinema enquanto arte não idealizadora/realizadora de lucro, narrativas experimentais e arte fora do que é usualmente capitalizável como arte atualmente.
assista Estranhos no Paraíso
[1] eu ia abrir este post com “Light Blue Night”, do CPM, mas achei melhor fazer com “Stranger In Paradise”, da Sarah Brightman, porque o Moore usa essa letra (escrita por Robert Craig Wright [1914-2005] e George Forrest Chichester Jr. [1915-1999], sobre melodia de Alexander Porfiryevich Borodin [1833-1887] e presente no álbum Harem, da cantora em questão, lançado em 2003) para fechar o compilado de histórias presente no compilado Love me Tender, lançado pela editora Pandora Books, no mesmo ano.
a versão original de “Stranger In Paradise”, performada pelo cantor Tony Bennett (1926-2023), nome artístico de Anthony Dominick Benedetto
“Stranger In Paradise” performada por Sarah Brightman
[2] tradução de título de filme no Brasil sempre foi uma coisa de louco. o que já vale um post por si só de tanta presepada que é, vide o exemplo de Dead Man.
[3] ‘tô escrevendo um post ai da SuperInteressante como periódico de divulgação cientifica mais importante do Brasil e como se manteve relevante contra o processo de desinformação e desacreditação científica vigente no Brasil desde meados da década passada.
[4] tenho que ver esse filme só por causa da OST composta pelo Neil Young, cuja OST eu já tinha sacado faz é tempo só por ter sido composta pelo Neil Young.
[5] eu já tinha encontrado a lista nos extras do DVD ao vivo, gravado com o Crazy Horse, chamado Year of the Horse, de 1995[!]. achei [essa discografia] numa comu(nidade) do Orkut chamada Rock Downloads, era tudo no RapidShare [como dizer que é velho sem dizer que é velho], baixava um álbum por dia resto era só sucesso passei praticamente os dois primeiros anos da universidade ouvindo Neil Young, Arraial do Pavulagem e pedrada desgraceira de punk e hardcore que achava.
[6] segundo alteração de 2023 da ABNT NBR 10520-2002, que trata das referenciações bibliográficas, agora os nomes citados entre parênteses são com iniciais maiúsculas e resto de minúsculas.
[7] ver nota 1.
[8] ver nota anterior.
[9] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade econômica intergovernamental fundada em 16 de março de 1948 para estimular o progresso econômico e o comércio mundial.
[10] aliança entre a Hungria, Polônia, República Checa e Eslováquia para fins de cooperação cultural, educacional, científica, tecnológica e econômica.
[11] área europeia de viagens sem controle de fronteiras criada a partir do Acordo de Schengen, assinado em 14 de junho de 1985, para livre circulação de bens e serviços no Espaço Econômico Europeu e no Mercado comum da União Europeia, no qual estão oficialmente abolidos passaportes e muitos outros tipos de controle de fronteira em suas fronteiras mútuas.
[12] no Brasil, não se fala português e sim brasileiro. portanto, nos EUA não falar-se-ia inglês e sim estadunidense. sem discussões e segue o jogo.
[13] sim, é a Augusta Ada King (1815-1852), a.k.a. Cortesa de Lovelace, escritora, pesquisadora, matemática e cientista inglesa, que utilizou o primeiro protótipo de computador criado pelo matemático, filósofo, inventor e engenheiro mecânico inglês Charles Babbage (1791-1871) para descobrir probabilidades de vitórias de competidores em corridas de cavalos.
[14] o ditado cefetano/etfpano correto é “somos agregado graúdo da mesma jazida, mas não passamos em peneira de mesma abertura”.
[15] “dos males da propaganda” fudendo corações e mentes desde sempre.
[16] na cotação de hoje, 25 jan. 2024, o equivalente a 7k646,40 reais.
[17] não, não vou citar AQUELE álbum do BR que faz trinta anos esse ano, TALVEZ eu fale algo dos trinta anos da morte do Cobain a partir do livro Trinta Anos, de Frau Bachmann.
¡¡¡BIS!!!
¡¡¡ZU!!!
¡¡¡DEM!!!
¡¡¡BREAKING!!!
¡¡¡NEUEN!!!
¡¡¡POST!!!