BELCHIOR
BAIHUNO
1993
– todas as letras e músicas de Belchior, exceto onde indicado
segundo Josely Teixeira Carlos, pesquisadora da obra belchiora, Baihuno, mesmo tendo algumas canções de álbuns anteriores, é o último título autoral do músico cearense foda isso de, ao invés de torar música própria, os bastiões brasileiros ficam metendo pilha em porra de coletânea, coletânea, coletânea mas vida que segue, não? jogo que segue, não?
BAIHUNO
Já que o tempo fez-te a graça de visitares o Norte, leva notícias de mim
Diz àqueles da província que já me viste a perigo: Na cidade grande enfim
Conta aos amigos doutores que abandonei a escola pra cantar em cabaré, baiões
Bárbaros, baihunos, com a mesma dura ternura que aprendi na estrada e em Che
Ah! Metrópole violenta que extermina os miseráveis, negros párias, teus meninos!
Mais uma estação no inferno, Babilônia,
Dante eterno! Há Minas? Outros destinos?
Conta àquela namorada que vai ser sempre o meu céu, mesmo se eu virar estrela
(O par de botas de couro combina com o meu cabelo, já tão grande quanto o dela)
E, no que toca à, família, dá-lhe um abraço apertado, que a todos possa abarcar
Fora-da-lei, procurado me convém família unida contra quem me rebelar
Cai o Muro de Berlim - cai sobre ti, sobre mim, nova ordem mundial
Camisa-de-força-de-Vênus, Ah! Quem compraria, ao menos, o velho gozo animal?
Já que o tempo fez-te a graça de visitares o Norte, leva noticias de mim
O cara caiu na vida, vendo seu mundo tão certo, assim tão perto do fim
Dá flores ao comandante que um dia te dispensou do serviço militar
Ah! Quem precisa de heróis: Feras que matam na guerra e choram de volta ao lar
Gênios-do-mal tropicais, poderosos bestiais, vergonha da Mãe Gentil
Fosse eu um Chico, Gil, um Caetano, e cantaria, todo ufano: Os Anais Da Guerra Civil
Ao pastor de minha igreja diz que essa ovelha jamais vai ficar branquinha
Não vendi a alma ao diabo. O diabo viu mau negócio nisso de comprar a minha
Se meu pai, se minha mãe se perguntarem, sem jeito - Onde foi que a gente errou?
Elogiando a loucura, e pondo-me entre os sonhadores, diz que o show já começou
Trogloditas, traficantes, neonazistas, farsante: Barbárie, devastação
O rinoceronte é mais decente do que essa gente demente do Ocidente tão cristão
NUM PAÍS FELIZ
(Belchior, Jorge Mello)
Ainda não se ouvia o ai do sabiá
E nem Jaci sabia que ele assobiava lá
O índio ia indo, inocente e nu
E no cauim ninguém sentia a essência do caju
Não navegavam naus abaixo do equador
Aqui sem sonhos maus, não há anhanguá,
nem cruz nem dor
E o índio ia indo, inocente e nu
Sem rei, sem lei, sem mais, ao som do sol
e do uirapuru
Não navegavam naus abaixo do equador
E à terra chã, tupã descia sem pam de tambor
Ainda não se ouvia o dó das juritis
E eu já sonhava com a cor e o tom de algum paí
Num país feliz
SENHORA DO AMAZONAS
(Belchior, João Bosco)
Rio, vim saber de ti e vi.
Vi teu tropical sem fim
Quadrou de ser um mar.
Longe anhangá!
Tantas cunhãs e eu curumim!
O uirapuru
(Oh! Lua azul!)
Cantou pra mim!
Rio, vim saber de ti, meu mar
Negro maracá Jarí
Pará, Paris jardim
Muiraquitãs,
Tantas manhãs - nós no capim!
Jurupari
(Oh! Deus daqui!)
Jurou assim:
- Porque fugir se enfim me queres!
Só me feriu como me feres
A mais civilizada das mulheres!
Senhoras do amazonas que sois
Donas dos homens e das setas,
Porque já não amais vossos poetas?
NOTÍCIA DE TERRA CIVILIZADA
(Belchior, Jorge Mello)
Era uma vez um cara do interior
Que vida boa, água fresca e tudo mais
Rádio e notícia de terra civilizada
Entram no ar da passarada
E adeus paz
Agora é vencer na vida
O bilhete só de ida
Da fazenda pro mundão
Seguir sem mulher nem filho
Oh! Brilho cruel dos trilho
Do trem que sai do sertão
Acreditou no sonho
Da cidade grande
E enfim se mandou um dia
E vindo viu e perdeu
Indo parar, que desgraça!
Na delegacia
Lido e corrido relembra
Um ditado esquecido
“Antes de tudo um forte!”
Com fé em Deus um dia
Ganha a loteria
Pra voltar pro
Norte
QUINHENTOS ANOS DE QUE?
(Belchior, Eduardo Larbanois)
Eram três as caravelas
Que chegaram d'alem mar
E a terra chamou-se América
Por ventura? Por azar?
Não sabia o que fazia, não
D. Cristóvão, capitão
Trazia, em vão, Cristo no nome
E, em nome dele, o canhão
Pois vindo a mando do senhor
E d’outros reis que, juntos
Reinam mais
Bombas, velas não são asas
Brancas da pomba da paz
Eram só três caravelas
E valeram mais que um mar
Quanto aos índios que mataram
Ah! Ninguém pôde contar
Quando esses homem fizeram
O mundo novo e bem maior
Por onde andavam nossos deuses
Com seus andes, seu condor?
Que tal a civilização
Cristã e ocidental
Deploro esta herança na língua
Que me deram eles, afinal
Diz, América que és nossa
Só porque hoje assim se crê
Há motivos para festa?
Quinhentos anos de que?
ONDAS TROPICAIS
(Belchior, Caio Sílvio)
Serviço de alto falante
“voz de cristal” e “bom som”!
paisagem tango bolero,
cafona como “eu te quero”
sonho de valsa e bombom.
Na província...Hollywood!
eu era um brando farsante.
na luz azul do cinema
piscava o olho- um poema!
a princesa do elefante.
Como e um objeto não identificado
descia sobre mim aquele feixe de luz.
outra Via-Láctea, escada de prata...
e eu, o rei da emoção barata,
subia a Capital
Mondrians, jazz, boggie-booggie, blues.
Brasil, mulato inzoneiro,
Brasil, mulato inzoneiro,
bandeiras de São (Volpi) João!
no televisor ligado
videotexto grafitado
ai, coração e o sertão...
ONDE JAZ MEU CORAÇÃO
Ei, senhor meu rei do tamborim, do ganzá
Cante um cantar, forme um repente pra mim
Aqui, nordeste, um país
de esquecidos, humilhados
Ofendidos e sem direito ao porvir
Aqui, nordeste, sul-américa do sono
No reino do abandono, não há lugar pra onde ir
De Nashville pro Sertão (se engane, não)
Tem meu irmão, fora da lei, muito baião
E, em New Orleans, bandos de negros afins
Tocam em bandas, banjos, bandolins
Onde “jazz” meu coração
Ei, senhor meu rei do tamborim, do ganzá
Cante um cantar, forme um repente pra mim
Aqui, nordeste, um país de esquecidos, humilhados
Ofendidos e sem direito ao porvir
Aqui, nordeste, sul-américa do sono
No reino do abandono, não há lugar pra onde ir
Em mim, desse canto daqui, lugar comum
Como no assum, azul de preto
O canto e que faz cantar
Cresce e aparece em minha vida, e eu me renovo
No canto, o pio do povo. Pio, é preciso piar
E a minha voz, rara taquara rachada
Vem soul blues, do pó da estrada
E canta o que a vida convém
Vem direitinha, da garganta desbocada
Mastigando inham, inham
Cheinha de nhem-nhem-nhem
Ei, senhor meu rei do tamborim, do ganzá
Cante um cantar, forme um repente pra mim
Aqui, nordeste, um país de esquecidos, humilhados
Ofendidos e sem direito ao porvir
Aqui, Nordeste, Sul-América do sono
No reino do abandono, não há lugar pra onde ir
LAMENTOS DO MARGINAL BEM SUCEDIDO
Baby
Enquanto um velho mestre de blues radioativa nas ondas
Sonoras do carro, tome um fósforo e, ao gosto dos anjos, acenda
O ultimo cigarro
Que aquele bêbado lhe deu
E blues lamente comigo os tempos cínicos e cruéis para o caubói
Delicado que você diz que sou eu
Ah! Você lembra?
Naquele tempo, quem não queria tomar o poder e que mãe não tomava comprimidos pra dormir?
É proibido proibir!
Ora, ora o poder, humilhação e violência! Vocês querem
Bacalhau
Ao vencedor as batatas, o troféu abacaxi
E por falar em política, os meninos de rua já sentem na pele a verdade nua e crua do que nunca aconteceu
Marginal bem sucedido e amante da anarquia, eu não sou
Renegado sem causa, oh! Não
E uma dose de amor, esse artigo sempre em falta, cairia muito
Bem em mim
Melhor que a droga do gim
Lançado em meu cartaz de procurado de vira-lata de mercado, com a pata esmagada por um trem
Ah! Fique aqui, só entre nos dois, este papo amarelo de dor
Que rima com conversa mole de amor
Pois, você sabe, eu prefiro a inocência do sexo e a pureza da
Paixão depois do amor, o tédio e a solidão!
Quem diria?
Ontem a noite na cama me senti arrasado com você me chamando - idiota, bandido, um canalha, indecente, transviado, machão!
Ah! Enquanto essas senhoras e esses senhores viram o jogo
Contra nós e põem o mundo a seu favor - que horror!
(Conversação de marginais sobre terra devastada, em meio a nossa guerra civil. Desde Cabral o Brasil é Brasil)
Guardo-lhe, como um presente, o meu modo masculino, raro e
Fino, de trovador eletrônico, anjo torto, ciberneticamente a mil
Baby, tudo vai dar pé, você sabe e eu também sei... Qual é o problema?
Mas, pelo sim pelo não me dê a sua mão igual a seu coração
E, num amasso apertado um beijo molhado e escandalizado
Daqueles de cinema
Baby, tudo vai dar pé, você sabe e eu também sei... Qual é o problema?
Mas, pelo sim, pelo não, me dê a sua mão, igual a seu coração
(All we need is love!) e, num amasso apertado- da cor do
Pecado, um beijo molhado, escandalizado, daqueles de cinema
S.A.
(Belchior, João Mourão)
Assaltantes, bêbados, índios
Nordestinos retirantes
Prostitutas, pivetes punks
Suicidas solitários
De onde eles vem?
Viciados velhos vagabundos
De onde eles vem?
Viciados velhos vagabundos
De onde eles vem?
Sacos de plásticos, latas amassadas, copos de papel
Esquecidos no estádio depois do jogo e das feras
Miseráveis sempre sem pão, e daqui a pouco sem circo
Coisa cuja visão da vontade de morrer
E a gloria? E a gloria? E a gloria? Ahh
E a honra dos seres humanos que Deus criou
E pôs um pouquinho só abaixo dos seus anjos
Mas esses senhores não querem nada
Não querem perder tempo
Com essa porcaria que se chama gente
Mas esses senhores não querem nada
Não querem perder tempo
Com essa porcaria que se chama gente
Eu não sou cachorro não
Pra viver tão humilhado
AMOR E CRIME
(Belchior, Francisco Casaverde)
Amor, não há amor
Existem só provas de amor
Mas, no amor, provas não bastam
Tudo mentira
Tudo cinema
Apenas cenas
Quando, em ledo engano-me, acenas
Regressando em algum trem
Ah! Essa historia de amor
Porque uns barcos se afastam
E mil sereias cantam sem pudor
Oh! Que trágico destino!
Preferi-ser o assassino
Ao amante leal
E que os bandidos são úteis
E nós, os amantes, fúteis
Vulgaridade do mal
Amar agora e crime
Só a paixão nos redime
Da obsessão do sublime
Do ideal
Tudo romance, tudo poema, apenas cenas
Fazer mal do amor
E a glória?
E o sofrer, da paz? A quem?
Ah! Essa historia de dor
Buscar o amor sem vitória
Voltar feliz, sem memória
Ao paraíso terreal
BALADA DO AMOR
(Belchior, Francisco Casaverde)
Não quero amar, não! Nunca mais
que esse negocio de amor
já não se faz sem punhais.
Mister dos mistérios tais
Ah! Eu nasci perdedor.
Pra que mentir de fingidor
das dores tão reais.
Que romantismo e insolência
torna-se o amor em violência
só à paixão luz natural
tesão de deusa pagã
que vence o amor a La D.Juan
certeza e gloria de fazer o mal.
Amor que move o sol e outras estrelas...
Ah! Quem penou a luz delas,
esses eu conheço de outros carnavais.
Deixem-me ser aprendiz
do amor perverso, do amor feliz.
Lugar comum de anjos e animais.
AELEGIA OBSCENA
Meu bem,
admire o meu carro e goze sozinha,
enquanto fumo um cigarro
mas cuidado!, atenção!
- Oooh! oooh!... não vá quebrar mais nenhum coração.
Podemos até nos deitar
mas você saberá...
saberá que será
puro flertar, paraíso perdido,
meros toque de Eros, um sarro, um tesão
- Oooh! oooh! ... bad bed bed times
os teus peitos no jeito
e eu pego e me deleito,
na flor do meu umbigo.
- Oooh! oooh!... E ainda ponho a camisa
que avisa precisa
- I can’t get no satisfaction
- Oooh! oooh! ... bad bed bed times!
onde os puros saberes
onde a fúria de seres humanos
contra a ira dos deuses
que cena obscena pedir, pedir
Por favor, nada de amor
- I can’t get no satisfaction
ARTE FINAL
(Belchior, Gracco, José Melo)
Desculpe qualquer coisa, passe outro dia,
Agora eu estou por fora, volto logo,
Não perturbe, pra vocês eu não estou.
Sessão de nostalgia, isto é lá com minha tia,
Isto é lá com minha tia!
Alô, presente, estou chegando,
Alô futuro, já vou!
Alô, presente, estou chegando,
Alô futuro, já vou!
Ora, Ora! Até vocês que ouvi dizer,
São gente quase honesta.
Ora, ora! Até vocês os reis da festa,
Ora, essa! Não confiam mais em mim!
E me tratam como tratam mulher, preto,
Todos entramos no gueto
Quando a coisa entrou no ar.
Mas pegue leve, não empurre, seja breve,
Conheço o meu lugar!
Mas pegue leve, não empurre, seja breve,
Conheço o meu lugar!
Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!
Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!
Dancei, sei que dancei,
Dancei meu bem!
Mas vem que ainda tem!
Dancei, sei que dancei,
Dancei, meu bem!
Mas vem que ainda tem!
E então, my friends?
Bastou vender a minha alma ao diabo,
E lá vem vocês seguindo o mau exemplo.
Entrando numas de vender a própria mãe.
Alguém se atreve a ir comigo
Além do shopping center? Hein? Hein?
Ah! Donde están los estudiantes?
Os rapazes latino-americanos?
Os aventureiros? Os anarquistas? Os artistas?
Os sem-destino? Os rebeldes experimentadores?
Os benditos? Malditos? Os renegados? Os sonhadores?
Esperávamos os alquimistas, e lá vem chegando os bárbaros
Os arrivistas, os consumistas, os mercadores.
Minas, homens não há mais?
Entre o Céu e a Terra não há mais nada
Do que sex, drugs and Rock’n’Roll?
Por que o Adeus às armas?
Não perguntes por quem os sinos dobram,
Eles dobram por Ri!
Ora, senhoras! Ora, senhores!
Uma boa noite lustrada de neon pra vocês
E o último a sair apague a luz do aeroporto
E ainda que mal me pergunte:
“A saída será mesmo o aeroporto?”
SE VOCÊ TIVESSE APARECIDO
Se você tivesse aparecido
em minha adolescência,
canção Blake de inocência
amor, quem não teria ido e vivido
com Byron, o bardo da gangue
do “le me perish young”
Se você tivesse aparecido esta
droga de existência se mudaria em viver
eu coração (traído) bandido,
canção Blake de experiência
revelaria seu ser.
Leste de Éden violência e abandono.
Vinhas de ira... Ah! Quanto suicídio
garotos no esgoto...São ratos? São homens
suave é a noite?
Seremos vencidos? Oh! Cara
onde o galo canta ai janta e assim
yeah! yeah! yeah! yeah!
Pegar carona nesta decadência e o fim
como pode acontecer?
VIVA LA DOLCEZZA
(Belchior, Gracco)
Daqui da zona fantasma,
te mando minha lágrima feminina
de super-homem
Os bárbaros voltaram quem duvidara?
Viva La dolcezza!
E a grama que pisaram reverdecera?
Viva La dolcezza!
Já dei adeus as armas, quem me livrara?
Viva La dolcezza!
Se o resto e som e fúria, que se cantara?
Viva La dolcezza!
ATÉ MAIS VER
Ate mais ver, ate mais ver, meu camarada.
Contigo em mim e ainda em ti, vou indo em dois
qualquer distância
entre nós, tornada em nada,
só assinala um novo encontro pra depois.
So long sem gesto, um bye ao leu... Não diga sorte
Não fale adeus que enruga o olhar mais compassivo
se, sob o sol, nada mais velho e vil que a morte,
quem viu, na vida, novidade em estar vivo?
BIS
ZU
DEM
BREAKING
FUCKING
NEUEN
POST
!!!!
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