[por ora, sem título]
“Com ela em paz, sem mais ninguém”
– Matanza, “Mesa de Saloon”, Santa Madre Cassino, 2001.
O FATO: UMA GUERRA TERMINA COM UM LADO VENCEDOR E OUTRO PERDEDOR. O primeiro humilha o segundo antes de enfim subjuga-lo ou o humilha enquanto o subjuga. Um reino inteiro havia sido tomado e anexo a outro, mas não sem um verdadeiro oceano de sangue ter lavado ambos territórios e outro de lágrimas de mães e pais ter assolado as regiões. Há muito, o conflito começara, há muito não sabiam mais pelo que lutavam.
Em uma manhã que os clérigos previram ser ensolarada, a execução. A casa real triunfante ordenou que fosse com a armadura real. Como as tradições ordenavam, a armadura do rei devia ser vestida pela esposa, pela mãe e pela primeira filha. A esposa, por ser a mulher a quem prometia honra e ajudá-lo-ia a guardar e manter as tradições. A mãe, por trazer reis ao mundo e, junto ao pai, ensinar as tradições. A filha, por ser a próxima e em seu tempo, executar tais rituais. Mas não mais genitora e sem descendente e a esposa ainda batia às mãos no marido quando a tentava ajudar. “Nam”, ela dizia, “humpf!”, contrariada. Do lado de fora, soldados esperavam-os para o campo. Então, o último beijo antes de saírem.
Não trocaram palavra até o local. Ambos pares de mãos coçavam por não estarem juntos neste trajeto. Afoitos. Inquietos. Sedentos. Entretanto controlados. Ela alguns passos frente a ele – com um soldado a cada lado –, mas às mesmas passadas. Uma ama a cada lado, a dois passos atrás dela. Uma delas não havia dormido. Rei e rainha não conseguiram dormir. Um reino inteiro mal pregara os olhos desd’a noite anterior. O casal passara a noite zanzando pelo castelo, sem rumo, até ver o amanhecer, na torre mais alta. Então...
“Finalmente!”, o conquistador dissera. “Vocês demoraram muito! Que descortês!”, ironizou. Ele olhou com o rabo do olho para sua senhora. E eis que o novo soberano proferira um imenso discurso sobre as novas terras, novos súditos, novas perspectivas do futuro do reino enquanto expandido, liberdade, amor, governo, futuro. Um discurso tão pomposo e garboso que até sua mulher e seus súditos estavam entediados, que dirá os “novos súditos”... O sol estava alto e nem o conquistado aguentava mais a ladainha e esperava logo pelo seu inevitável devido ao calor incomum que os deuses resolveram conceder aquela manhã. Nenhuma nuvem no céu.
“Ah! Você!”, disse o conquistador. “Antes de tudo, deixe-me dizer...” Agora o quê, deuses?, o conquistado pensou, tal como todos os outros. Puxou a espada e apontou ao condenado. “Eu nunca gostei desse monte de pelo que você tem no rosto, sabe?”, começou. “Para quê?” Olhares de reprovação como estrelas surgindo no firmamento. Sorrisos se abrindo discretamente sob elmos. As pontadas podiam não ser sentidas na armadura, mas eram direto no ego e na vontade do até então soberano. “Que dignidade e virtude existem em não permitir que os outros vejam seu rosto?”, andava em círculos ao redor dele. E o calor... “Então, meu caríssimo derrotado”, estendeu a mão, a esposa foi até ele e entregou-lhe o que parecia ser uma... Tesoura de podar árvores. “Vossa pessoa tem duas opções bem simples”, passava o indicador, o médio e o anular da mão direita nas lâminas: “ou morre barbudo, como o animal que eu – e todos os aqui presentes – duvidamos que seja”, pegou o artefato pelas lâminas e o ofereceu pelo cabo ao conquistado, “ou morre com o rosto de um homem digno e decente, respeitando a nobreza de seu sangue e família”. Abriu sorriso mais escarnecedor e enojador que nunca haverá igual.
O dono da longa barba espessa e escura como trevas impenetráveis tomou o item da mão de seu adversário. Olhou-o muito bem. O pegou e o admirou como se fosse uma espada de fino trato que deve ser somente carregada mas nunca usada de fato. Balançou a cabeça afirmativamente algumas vezes. “Nada mal”, como era como dissesse, “parece ter um bom fio”. O “diretor da peça” se divertia muito e não escondia isso, talvez pelo fato de a etiqueta não permitir que risse como o chacal que era e que certamente riria em seus aposentos, após os ocorridos. Sua esposa o reprovava por perder tempo em algo tão supérfluo. Antes de perder pai e mãe no campo de batalha, via a guerra como algo desnecessário e infantil; após, era a maior incentivadora de envio de tropas ao front. A esposa do inimigo não chegou a conhecer a mãe, morta no parto; o pai morreu para salvá-la durante o sítio de seu feudo por tropas inimigas. Reprovava o marido por pensar pouco antes de agir. O viu jogando o item para o alto.
Antes que caísse, soberanos se olharam em olhos. Toda a guerra passou pelos olhos dos dois naquele momento. Para espanto geral, ao pegá-lo, o conquistado rasgou a um só golpe destruidor e preciso a própria garganta, antes de partir como um raio para cima do inimigo entonando o grito de guerra de seu povo. Antes que soldados fincassem lanças em suas costas para retirá-lo de cima de seu soberano, o mesmo já estava caído ante a escadaria do castelo, engasgado em seu próprio sangue, com o item cortante alojado até o cabo atravessando-lhe o espaço entre o gogó e o inicio da caixa torácica. Sangue real banhava vestes de cetim e veludo.
“Eu morrerei antes de ver meu povo escravizado e rastejando ante a ti”, o rei ainda conseguia gritar enquanto fincava a tesoura. “E tu, mais imundo e abjeto dos seres, morrerá antes de ver meu povo subjugado pelo vosso!”
E saiu antes de cair com o peso sobre os joelhos. “Se um dia morrer, Sophy”, ele disse a ela uma noite, “que seja em vossos braços”. Olhava para o céu azul sem nuvens. Mãos e barba vermelhas como os cabelos dela. Só sentiu os braços dela ao redor dele quando ela o chamou pelo nome e não por “meu senhor”. Ela colocou a cabeça dele junto ao seu busto enquanto descansava o queixo sobre a cabeça recentemente sem pelos. Mãos juntas pela última vez. Olhos fechados juntos pela última vez.
:: 11 de setembro de 2013 ::
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