[o texto abaixo foi retirado – com algumas alterações óbvias – da segunda edição do livro Filosofando: introdução à filosofia, das professoras Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, da Editora Moderna, no ano de 1993.
A verdade é que eu coloquei este texto aqui é porque tenho pensado muitíssimo no assunto MORTE em si. Depois de uma conversa via MSN com a Ann (Anne Rose Aragão), eu tenho pensado muito, muito mesmo nisso – tanto quando eu era adolescente ou quando certa pessoa me deixou. Não que seja culpa da Ann, porque não é!!!, mas eu estava pensando mesmo nisso por causa da prova da UFPa e por outros motivos, mas... eu não sei...
Bem, eu já falei muito de morte neste blog – vide postagens como (Des)Casos de Família, Baluartes Juvenis, entre outras que não estou lembrado agora...
Mas enquanto isso, enjoy!]
A verdade é que eu coloquei este texto aqui é porque tenho pensado muitíssimo no assunto MORTE em si. Depois de uma conversa via MSN com a Ann (Anne Rose Aragão), eu tenho pensado muito, muito mesmo nisso – tanto quando eu era adolescente ou quando certa pessoa me deixou. Não que seja culpa da Ann, porque não é!!!, mas eu estava pensando mesmo nisso por causa da prova da UFPa e por outros motivos, mas... eu não sei...
Bem, eu já falei muito de morte neste blog – vide postagens como (Des)Casos de Família, Baluartes Juvenis, entre outras que não estou lembrado agora...
Mas enquanto isso, enjoy!]
A MORTE
Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia.
– Camus
Quem ensinasse os homens a morrer, os ensinaria a viver.
– Montaigne
O que se tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer.
– Nietzsche
– Montaigne
O que se tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer.
– Nietzsche
Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia.
– Camus
01 . A morte como enigma
A morte é o destino inexorável de todos os seres vivos. No entanto, só homem tem consciência da própria morte. Por se perceber finito, o homem aguarda com ansiedade o que poderá ocorrer após a morte. A crença na imortalidade, na vida depois da morte, simboliza bem a recusa da própria destruição e o anseio de eternidade.
Estudos a respeito dos primórdios da nossa civilização relacionam o aparecimento das primeiras angústias metafísicas do homem ao registro dos sinais de culto aos mortos. Portanto a morte se apresenta desde o início como uma fronteira que não significa apenas o fim da vida, mas o limiar de outra realidade instigante porque ininteligível, além de atemorizada.
A morte daqueles que amamos e a iminência da nossa própria morte estimula a crença a respeito da imortalidade. Segundo Jaspers, “existe algo em nós que não se pode ser suscetível de destruição”. Por isso é inevitável que desde o início da cultura humana o recurso da fé religiosa tenha aplacado o temor diante do desconhecido.
Através dos tempos, a consciência religiosa tem oferecido um conjunto de convicções que orientam o comportamento humano diante do mistério da morte (nota do dono do blog: isso é um eufemismo para UM BANDO DE MENTIRAS COVARDES!): quer seja pelos rituais de passagem dos primitivos quer seja nas religiões mais elaboradas, pelos preceitos do viver terreno para garantir melhor destino à alma. Por isso, a angústia da morte tem levado à crença na imortalidade e na aceitação do sobrenatural, do sagrado, do divino.
02 . As mortes simbólicas
O homem não tem, contudo, consciência apenas da morte enquanto fim da sua vida. O conceito de finitude o acompanha em tudo que faz: é significativa a imagem mítica do deus Cronos (Tempo) devorando os próprios filhos.
A morte, como clímax de um processo é antecedida por diversas “formas de morte” que permeiam o tempo todo a vida humana. O próprio nascimento é a primeira morte, no sentido de ser a primeira perda, a primeira separação. Rompido o cordão umbilical, a antiga e cálida simbiose do feto no útero materno é substituída pelo enfrentamento do novo ambiente.
A oposição entre o velho e o novo repete-se indefinidamente a primeira ruptura e explica a angústia do homem diante do seu próprio dilaceramento interno; ao mesmo tempo que anseia pelo novo, teme abandonar o conforto e a segurança da estrutura antiga a que já se habituou.
03 . A filosofia e a morte
No diálogo Fedon, Platão descreve os momentos finais da vida de Sócrates antes de sua execução, quando discute com os discípulos a respeito da ligação entre corpo e alma. Sendo o corpo um estorvo para a alma, a serenidade do sábio diante da morte é o reconhecimento de que a separação significa a libertação do espírito.
No decorrer da história da filosofia, muitas vezes os pensadores trataram explicitamente a respeito da morte e da imortalidade da alma, mas essa questão está na raiz de toda a filosofia e, mesmo quando não se discute diretamente sobre a morte, ela se situa no horizonte de toda reflexão filosófica. É nesse sentido que Platão afirma ser a filosofia uma reflexão da morte, e Montaigne diz que “filosofar é aprender a morrer”. Pois se a filosofia é uma das formas de transcendência humana, pela qual refletimos a respeito de nossa existência e destino, a discussão sobre a morte não pode ser estranha.
Segundo Heidegger, o ser do homem como possibilidade, como projeto, o introduz na temporalidade. Isso não significa apenas que o homem tem um passado e um futuro e que os momentos se sucedem passivamente uns aos outros; significa que o futuro se revela como aquilo para o qual a existência transcende. O existir humano consiste no lançar-se contínuo às possibilidades, entre as quais se encontra justamente a situação-limite representada pela morte, a qual possibilita o olhar crítico sobre o cotidiano. É nesse sentido que podemos considerar o homem um “ser-para-a-morte”.
Para Heidegger, só o homem autêntico enfrenta a angústia e assume a construção da sua vida. O homem inautêntico foge da angústia, refugia-se na impessoalidade, nega a transcendência e repete os gestos de “todo o mundo” nos atos cotidianos. No mundo massificado do homem inautêntico, até a morte é banalizada, e dela se fala como se fosse um acontecimento genérico, longínquo e impalpável. A impessoalidade tranqüiliza e aliena o homem, confortavelmente instalado num universo sem indagações. Há a recusa de refletir sobre a morte como um acontecimento que nos atinge pessoalmente.
Sartre, referindo-se à sua infância em As palavras, diz “A morte era a minha vertigem porque eu não amava viver: é o que explica o terror que ela me inspirava. (...) Quanto mais absurda a vida, menos suportável é a morte”.
Na teoria sartiana, ao contrário de Heidegger, a consciência da morte retira todo significado á morte é a “nadificação” dos nossos projetos, a certeza de que um nada total nos espera. E conclui pelo absurdo da morte e, simultaneamente, da vida, que é uma paixão inútil.
Mas seja a morte considerada, como em Heidegger, algo que dá sentido á vida; ou, como Sartre, a dimensão do absurdo, o que nos intriga é a recusa que o homem contemporâneo manifesta em abordar a temática do morrer humano. Em nenhum tempo a recusa do enfrentamento da própria finalidade da própria finitude foi tão visível. Muitas podem ser as explicações dadas por antropólogos, sociólogos, psicólogos, que certamente fecundarão a matéria de reflexão dos filósofos. O que não podemos é deixar de pensar na morte: vejamos por quê.
04 . Aspecto histórico-social da morte
As sociedades tribais e tradicionais
Observando a história e os diversos povos, verificamos que o sentido da morte não é sempre o mesmo. a maneira pela qual um povo enfrenta a morte ou o significado que lhe dá refletem de certa forma o sentido que ele confere à vida. Os pólos antagônicos vida e morte não são excludentes, pois são formas dialéticas inseparáveis.
No mundo tribal, a morte não é propriamente um problema. Ela não é enfocada do ponto de vista da morte de um indivíduo, mas se acha integrada nas práticas coletivas de culto aos mortos, aos ancestrais.
O homem primitivo se acha de tal forma envolvido na comunidade que o seu ser, não tendo o centro em si mesmo, se faz por meio da participação no todo coletivo. Como o eu se afirma pelos outros, o existir do primitivo é essencialmente relacional, e a individualidade se encontra envolvida pela totalidade maior da comunidade. Por isso a morte não é percebida como dissolução, o morto apenas muda de estado e passa a pertencer á comunidade dos mortos, o que é viabilizado por “rituais de passagem” adequados à ocasião. “Vivos e mortos, totem e deuses, antepassados, participam de uma mesma realidade vital”. Não há nenhuma idéia de aniquilamento, e os mortos podem retornar ao mundo dos vivos durante o sono destes e por meio de aparições.
Nas sociedades tradicionais, fortemente marcadas pela predominância a vida comunitária, ocorre algo semelhante. Como são sociedades relacionais, onde o indivíduo se encontra numa totalidade mais importante que ele, já uma série de cerimônias e rituais que cercam o evento da morte. Isso não significa que seja fácil morrer (muito ao contrário!), mas sim que a morte não é banalizada porque se acha inserida no cotidiano das pessoas como um evento importante.
Evidentemente, essas cerimônias variam conforme os costumes, mas vamos relembrar algumas delas, típicas das pequenas cidades, até ainda na primeira metade do século XX.
Os parentes, vizinhos e amigos acompanham a agonia do moribundo. Geralmente o doente permanece em casa, atendido pelo médico da família. As cerimônias são procedidas conforme a religião do morto: dependendo disso, chama-se o padre para dar a extrema unção, de preferência quando há lucidez, sem falsos escrúpulos de que o doente perceba a proximidade da morte.
Ao morrer, geralmente seu caixão é colocado sobre a mesa da sala de jantar e diante dele passarão os parentes, conhecidos e transeuntes ocasionais, velando-se o defunto noite adentro. O morto é chorado e freqüentemente relembrado. A ausência é assinalada pelo luto, cuja duração varia conforme o tipo de parentesco em algumas regiões, a viúva deve guardá-lo pelo resto da vida. Um conjunto de atos determinados socialmente – como visitas ao cemitério, missas para a alma do morto, flores, visitas de pêsames, cartas de condolências – ajuda os parentes a atravessar o período doloroso da perda e a reintegração à vida normal.
A negação da morte
Um fenômeno diferente vem ocorrendo há cerca de cinqüenta anos (n.d.b.: como eu disse no começo da postagem, o livro de onde foi retirado este texto é de 1993!), como resultado do processo de urbanização dos centros industrializados. A grande cidade cosmopolita impiedosamente destruiu os antigos laços, fragmentando a comunidade em núcleos cada vez menores e instaurando extremo individualismo.
As pessoas vivem no ritmo acelerado imprimido pelo sistema de produção e não têm tempo para os velhos e os doentes. A medicina, cada vez mais especializada, se ocupa desse “marginais” da sociedade – porque reduzidos à improdutividade – que são transladados para hospitais “a fim de melhor assistidos”. Se, por um lado, são tratados em ambientes assépticos e com técnicas sofisticadas que prolongam a vida (n.d.b.: essa foi ótima! de verdade! me avisem quando falarem sério!), por outro lado não escapam à solidão e à impessoalidade do atendimento. Os enfermeiros e médicos são eficientes (n.d.b.: essa também foi excelente!), mas o moribundo se encontra afastado da mão amiga, da atenção sem pressa nem profissionalismo.
Quando morrer, o velório geralmente é feito no necrotério, para o qual não se costuma levar crianças, as quais crescem à margem dessa realidade da vida, nunca vêem um morto, nem um cemitério.
O francês Philippe Ariès aborda essas questões no clássico História da morte no Ocidente. Nele se refere ao psicólogo Geoffrey Gorer, que escreveu um estudo com o título provocativo de “A pornografia da morte”, no qual mostra como a morte se tornou um tabu, substituindo o sexo como principal interdito: “Antigamente dizia-se às crianças que se nascia dentro de um repolho, mas elas assistiam à grande cena das despedidas, á cabeceira do moribundo. Hoje, são iniciadas desde a mais tenra idade na fisiologia do amor, mas, quando não vêem mais o avô e se surpreendem, alguém lhes diz que ele repousa num belo jardim por entre as flores”.
A “obscenidade” em falar da morte se torna grava quando se trata dos doentes terminais, ou seja, daqueles que não escaparão da morte próxima. É comum tal fato ser escamoteado: os parentes, com a cumplicidade dos médicos, escondem do paciente sua doença letal e o fim próximo. Nem diante da iminência da morte ousamos falar dela.
A tentativa de ocultamento da morte talvez explique a sofisticação das funerárias americanas que “tomam conta do morto”. Medard Boss, médico e psicanalista suíço, diz: “Nunca esquecerei minhas visitas aos ‘Funeral Homes’ americanos, nos quais os defuntos são maquilados, um cigarro é colocado em suas bocas, e ao lado se tocam fitas gravadas com discursos que os falecidos pronunciaram outrora”.
O antropólogo brasileiro Roberto da Matta também se refere ao fato de os mortos serem colocados em caixões acolchoados de cetim que lembram uma cama confortável: “O que seria tudo isto, senão um modo radical de livrar-se do morto, transformando-o em alguém que realmente dá a impressão de repousar?”
Por que será que o homem contemporâneo escamoteia assim a morte? Talvez porque a dificuldade que ele sente para lidar com a morte esteja relacionada com a sua incapacidade para lidar com a vida.
O homem urbano, individualista, massacrado pelo sistema de produção, obrigado a desempenhar funções que não escolheu e num ritmo que na é o seu, acha-se muito distante daquilo que poderíamos considerar uma boa qualidade de vida. Independentemente do progresso técnico atingido, são altos os níveis alienação humana no trabalho, no consumo, no lazer.
Mais ainda, a insensibilidade com relação à morte individual tem paralelo com a inconsciência referente ao destino do planeta. Pela primeira vez na história da humanidade a morte ultrapassa a dimensão do indivíduo e ameaça a sobrevivência de todos.
Por isso, é preciso resgatar, no mundo atual, a consciência da morte, o que não deve ser entendido como preocupação mórbida, doentia do homem que vive obcecado pela morte inevitável. Tal atitude seria pessimista e paralisante. Ao contrário, ao reconhecer a finitude da vida, reavaliamos nosso comportamento e escolhas, e podemos proceder a uma diferente priorização de valores.
Por exemplo, se tomamos como valores absolutos o acúmulo de bens, a fama e o poder, a reflexão sobre a mortalidade torna ridículos esses anseios, privilegiando outros valores que nos dão maior dignidade. Essa mesma reflexão, no nível planetário, nos ajuda a questionar os falsos objetivos do progresso a qualquer custo.
A consciência da morte nos ajuda a questionar não só se nossa vida é autêntica ou inautêntica, mas também se faz sentido o destino que os povos legaram para seus herdeiros.
Preparem-se! Esta é a primeira de muitas matérias que vou postar aqui que falam sobre morte e assuntos similares!
Myrcea (esteja você onde estiver!), Elias, Hela, Manu, Lili, Frauen Elza und Elizete, Minhoca e Leandro – essa postagem é pra vocês!
:: ‘til the next! ::
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