NÃO HÁ GUARDA CHUVA
– João Cabral de Melo Neto (1920-1999) –
Não há guarda-chuva contra o poema
Não há guarda-chuva contra o amor
Não há guarda-chuva contra o tédio
Não há guarda-chuva contra o mundo
Não há guarda-chuva contra o tempo
Não há guarda-chuva contra a noite
Não há guarda-chuva contra a ameaça
Se vem vindo forte a tempestade
Perco o medo
Enfrento a fera
Eu sei quem é ela, com essa minha tira na vontade
Regiões onde tudo é surpresa
Como uma flor mesmo num canteiro
Que mastiga, que cospe como qualquer boca
Que tritura como um desastre
O tédio das quatro paredes
O tédio das quatro estações
Cada dia devorado nos jornais
No tédio dos quatro pontos cardeais
Não há guarda-chuva contra as filas
Feito serpentes pelas calçadas
Não há guarda-chuva para as crianças, pivetes, menores, abandonadas
Não há guarda-chuva contra o veneno, o despeito do ser humano
Não é à toa, pros inimigo
Sou urtiga, sorrindo é que se castiga
Sou paraibana de tutano
Não há guarda-chuva contra a simpatia
Se ela nos pega desprevenido
Deixa a gente abobalhada dizendo coisas sem sentido
Não há guarda-chuva contra a covardia, de erguer a cabeça ao menos por um dia
Se você tem alma de borracha, munheca um pouco flácida
Não ouça o que eu digo
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