“O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode ajuda-lo e aconselhá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele se estende as raízes até o ponto mais profundo de seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isso: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa da madrugada: ‘preciso escrever?’ Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta com um forte e simples ‘Preciso’, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem que se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante um sinal e um testemunho desse impulso. Então se aproxime da natureza. Procure, como o primeiro homem, dizer o que vivencia o que ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas formas que são muito usuais e muito comuns: elas são as mais difíceis, pois é necessária uma forca muito grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes. Por isso, resguarde-se dos temas gerais para acolher aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descreva suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a crença em alguma beleza – descreva tudo isso com uma sinceridade íntima, serena, paciente, e utilize, para se expressar, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, diga para si mesmo que não é poeta bastante para evocar suas riquezas; pois para o criador não há nenhum problema e nenhum ambiente pobre, insignificante. Mesmo que estivesse em uma prisão, cujos muros não permitiriam que nenhum ruído do mundo chegasse a seus ouvidos, o senhor não teria sempre a sua infância, essa riqueza preciosa, régia, esse tesouro das recordações? Volte a ela sua atenção. Procure trazer à tona as sensações mais submersas desse passado tão vasto; sua personalidade ganhará firmeza, sua solidão se ampliará e se tornará uma habitação à meia-luz, da qual passa longe o burburinho dos outros.”
– Rainer Maria Rilke para Franz Xavier Kappus, 17 de fevereiro de 1903, tradução de Pedro Süssekind
– Rainer Maria Rilke para Franz Xavier Kappus, 17 de fevereiro de 1903, tradução de Pedro Süssekind
Um comentário:
Excelente texto Malafa!
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