“[...] o modo de simbolização diferenciante provê o único regime ideológico capaz de lidar com a mudança. Povos descentralizados, não estratificados, acomodam os lados coletivizante e diferenciante de sua dialética cultural mediante uma alternância episódica entre estados rituais e seculares; civilizações altamente desenvolvidas asseguram o equilíbrio entre essas necessárias metades da expressão simbólica por meio da interação dialética de classes sociais complementares. Em ambos os casos, são atos de diferenciação incisivos, contundentes – entre sagrado e secular, entre propriedades e prerrogativas de classe –, que servem para regular o todo. Mas a moderna sociedade ocidental, que Louis Dumont acusa de ‘estratificação envergonhada’, é criticamente desequilibrada: sofre (ou celebra) a diferenciação como sua ‘história’ e contrabalança o coletivismo intensivo de seus empreendimentos públicos com estratagemas competitivos semiformais e envergonhados em todos os tons de cinza e com a bufonaria desesperada da propaganda e do entretenimento. Eu argumentaria que compartilhamos com o período helenístico em Alexandria, e com fases pré-dialéticas de outras civilizações, uma orientação transitória e altamente instável. Mas isso é parte de um modelo, e não, com toda a certeza, uma posição assumida por conveniência.”
– WAGNER, Roy. A Invenção da Cultura. Trad. Marcela Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: Cosac Naify, 2010.