“Sobre Mann, Theodor Adorno escreveu: ‘Se eu precisasse dizer o que me parece mais característico nele, teria que mencionar o sobressalto repentino que se podia aguardar nas ocasiões em que ele retornava de um momento de devaneio. Seus olhos eram azuis ou azuis-cinzentos, mas aqueles momentos em que ele se refazia, fulgiam negros e brasileiros, como se algo ardesse em latência e esperasse o momento de incendiar-se; como se ele houvesse reunido algo concreto de que agora lançava mão para experimentar suas forças. O ritmo com que sentia a vida era o oposto do burguês: nada de continuidade, mas alternação entre extremos, entre latência e iluminação’.
Em face desses olhos negros e brasileiros, vale resgatar o contrato imaginário de Thomas Mann com a terra de origem de sua mãe. O escritor é filho de Julia da Silva Bruhns, nascida em 1851 perto de Parati (RJ). Após perder a mãe, Senhorinha Maria da Silva, a pequena Julia emigrou em 1858 para Lübeck com seu pai alemão, Johann Ludwig Bruhns. Foi criada em um pensionato e desposou aos 17 anos um comerciante da cidade, o pai de Thomas.
A origem exótica da mãe tem presença discreta, mas significativa, no imaginário do autor. Muito importante na abordagem do assunto é seu encontro pessoal com Sérgio Buarque de Holanda, em dezembro de 1929, Berlim. ‘Acho impossível dispensar o prazer de conversar com um brasileiro’, afirmou Mann na época, explicando a Sérgio Buarque porque ele, e não outro, teria sido escolhido para falar com o recém-laureado pelo prêmio Nobel de literatura.
A grande obra inacabada Confissões do impostor Felix Krull anunciou a viagem de um protagonista de Thomas Mann à América do Sul. Nem autor nem personagem puderam vir. Mas Mann e sua obra integram nossa cena literária, em boas traduções e edições disponíveis. O público brasileiro de hoje pode ter muito a contribuir no projeto literário auto-irônico de desmascaramento das contradições burguesas e imaginação de uma sociedade cosmopolita, internacionalizada sobre o signo da justiça possível diante do homem humano. Demasiadamente humano.”
– Paulo Soethe, “Origem brasileira”. IN: Panorama da Literatura Alemã, 2004.
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