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quarta-feira, 12 de julho de 2006

CAMPO DE BATALHA: CRUZADAS - parte I

em 11 de julho de 2006, terça-feira, 22:46:30

(postagem escrita ao som do álbum The Collection, da Alanis Morissette, lançado no final do ano passado.)

reportagem retirada da Edição Especial da revista Grandes Guerras, edição V, da Editora Abril, de abril de 2005.


Herança AmargaPor PETER DEMANT*Encontramos traços dos cruzados em muitos lugares no Oriento Próximo. Do litoral turco a Israel, ruínas de fortalezas francas se espalham como Monefort e Benvoir. Maronitas libaneses se abrigam sob o olhar “protetor” da França católica desde a época dos Cruzados. Estes deixaram uma catedral medieval no Santo Sepulcro, em Jerusalém, e uma cidadela subterrânea em Acre, além dos cabelos loiros e olhos azuis de muitos de seus habitantes – palestinos de ascendência germânica. Os séculos passaram, mas a memória do passado não se apagou.
Contra Cruzados e Judeus. Tal foi em 1998 o título da fatwa, pouco noticiada na época, com a qual o então desconhecido xeque Osama Bin Laden condenou todos os civis americanos à morte. Para ele, as Cruzadas históricas nunca deixaram de ser símbolo de agressão ocidental. Quem enxerga o mundo pelo prisma de um conflito entre o Islã e o cristianismo pode encarar a ocupação americana atual do Iraque como uma nova cruzada. As cruzadas constituem, com sua intolerância e atrocidades mútuas, uma página negra nas relações entre os mundos europeu e muçulmano. Mas a realidade foi mais complexa do que o mitológico antagonismo. Embora a cristandade visse no empreendimento cruzado à devida resposta à agressão islâmica anterior, o fato é que cristãos viviam bastante bem sob o domínio muçulmano. E no triângulo latino, bizantino e muçulmano, a inimizade dos dois primeiros, católicos contra ortodoxos, não foi muito menor entre a cruz e a meia-lua. O saque de Constantinopla por cruzados em 1024 compete em barbaridade com o massacre de Jerusalém, em 1099. Por outro lado, os muçulmanos eram tão divididos eram tão divididos entre si que houve com quem pactuasse entre si que houve com os invasores francos. Esses eram vistos como infiéis e selvagens mal-educados. Porém, assentados na Terra Santa, os cruzados não raramente socializavam com os árabes, mais avançados culturalmente, adotando muitos de seus costumes – de banhos regulares até a fidalguia dos poetas árabes. Outros perigos não cristãos assolaram o mundo muçulmano. Os mongóis de Hulagu Khan, que, em 1258, massacraram Bagdá, eclipsaram as piores infâmias cruzadas. Contudo, no imaginário coletivo médio-oriental, a época de catástrofes se associa primordialmente às invasões cristãs.
Se as Cruzadas envenenaram as relações entre cristãos e islâmicos (e entre judeus e cristãos e cristãos e cristãos), suas conseqüências no longo prazo divergiram num e noutro lado do Mediterrâneo, separados em duas civilizações irreconciliáveis. Do lado meridional, muçulmano, a intervenção foi repelida a duras penas e encerrou a época de ouro muçulmana, trouxe um fechamento teológico, que afetou a criatividade do Islã e deixou um legado de amargura – além da idéia de que “infiéis invadem, mas possível expeli-los por fim”, um mito aplicado hoje aos sionistas. No lado noroeste, as Cruzadas ajudaram a produzir mudanças que tornariam o mais poderoso continente: a Igreja perdeu poder e emergiram novos estados seculares, ciências, tecnologias e descobrimentos que ajudaram à colonização do resto do mundo, a uma economia global e – em nossos dias – a uma subjetividade que coloca a coexistência das diferenças na pauta internacional.
Pois é esse desafio que as Cruzadas nos colocam: há uma alternativa à narrativa do ódio das duas civilizações? Na verdade, há. À página negra é possível opor um discurso, o da boa vizinhança. O protótipo fosse talvez a amizade diplomática entre o imperador carolíngio Carlos Magno e o califa Harun al-Rachid, três séculos antes do papa Urbano II para libertar Jerusalém. A Espanha árabe e a Sicília de Frederico II são outros exemplos entre cristãos, judeus e muçulmanos. Cabe a nós, no século 21, tirar da epopéia cruzada a verdadeira lição: o mundo só pode ser um ser aprender a abraçar sua diversidade.

* Peter Demant é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo e autor de O Mundo Muçulmano, da Editora Contexto.


espero que vocês tenham gostado!


Até a próxima e cuide bem de vocês mesmos!

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