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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A HISTÓRIA DA VIDA DE UM CARACOL DE JARDIM [a segunda metade]

Eram elas que deixavam o ar mais pesado, a energia que exalavam se estudando deixava o ar mais pesado. O ar era mais pesado e elas mais leves. Me acredite quando digo que a arte deve fluir como um rio sem barreiras, e não é diferente com as artes marciais – é um rio aberto, uma corrente solta, a corrente de ar vai quebrar em seu corpo mas continuará. O judô deve fluir pelo seu corpo, te deixar mais leve, ser mais leve e simplesmente leve (apesar do exemplo mais claro ainda ser o kung fu e suas vertentes). E o mesmo com o kendô: corpo e alma e espada unos, não existe diferença, o uno. Camila e Talita exalavam toda a energia para se tornarem mais leves ao lutar. Como Valvassori é muito muito muito alva, seu pescoço, bochechas e testa avermelharam mais rápido do a tez poesia-amorenar de Ricieri – os dois pares de olhos eram impassíveis, não podiam se entregar pelos olhos, os olhos entregavam a luta mais do que acenos corporais.
Quando Camila ergueu os calcanhares, Talita voou o primeiro golpe. Só ouvimos o impacto das pontas das shinais improvisadas. “CARALHO, JÁ?!?” Como a Talita se moveu tão rápido que a gente não viu acontecendo? A londrinense golpeou vigorosamente outra vez que teria derrubado qualquer novato na arte antes de voltar à sua posição – as duas evitavam respirar pela boca, podíamos ouví-las respirando alto. Pequenos ataques cardíacos à plateia, Valmir, eu, Rodolfo, Matheus, Lúcio, Pedro, Leonardo, Claudinei e Dannylo então… Quando Camila abriu as mãos rapidamente, segurando o tsuka somente com os polegares, eu saquei o que ela ia fazer. Uma das meninas que também estavam lá – meninas lá que nunca saberei os nomes, eu não sei o preço que eu pagaria para serem elas Elisiane e Jacqueline e Júlia Helane – me olhou e assentiu positivamente. Camila pôs a shinai adiante de si. Talita levantou uma sobrancelha. 
Só ouvimos o kiai da sul-rio-grandense e o impacto. Acho (e eu não sou de achismos) que toda a UECE acordou com o kiai de Valvassori e a porrada na shinai de Ricieri. A primeira surpresa residia na shinai não ter sido quebrada. A segunda é que Talita ainda estava em sua base. Sim, estávamos pasmos com aquilo. Joelhos curvados, pés firmados no chão, ombro a ombro, antebraço a antebraço, shinai a shinai, cada uma um passo atrás antes de mais um golpe ensurdecedor e voltarem às posições, cada uma de “guarda aberta”. Talita com a shinai à lateral esquerda, a mão da tsuka não encostando ao joelho e a outra livre, a ponta da shinai não encostando ao chão. Camila com a shinai e a perna direita adiante, uma mão em cada extremo da tsuka. Isso foi a um ano e quatro meses.
Um ano e quatro meses depois as duas na mesma posição do campo aberto do campus Itaperí. As duas já haviam pontuado, Matheus e eu com cigarros e cafés às mãos (não podia fumar, e daí?), Palavras-Prateadas só com o café – nós três em pé, quase enfartando –, Lynn e Fê e Eliete se perguntando o que estava acontecendo, a luta mais difícil do feminino daquela manhã, já que elas estavam muito equiparadas. “Mala, velho”, o Math, “‘cê não faz ideia do tanto que a Mila treinou pra esse campeonato”, eu gostava de como ele ria, aquele cara de hippie pilantra dele, eu gostava de vê-lo junto à minha irmã; a irmã dela, a Ana Paula, pessoa bem agradável também, diga-se logo. Os pais da Tali ficaram meio……. Conosco, mas… É, a mãe da Talita também ‘tava em pé, com o coração na boca. Todos nós íamos jantar juntos depois da competição era muitíssimo de meu agrado que aquilo acontecesse. Faltando menos de um minuto, ambas sofreram penalidade.
Agora sim a luta ia ficar realmente boa de se ver.

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